Muita gente preparou a pipoca e ajustou a cadeira em frente à TV, nesta sexta-feira (22), para assistir ao vídeo da reunião ministerial do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Os conteúdos vazados sobre a reunião ocorrida em 22 de abril advertiam previamente sobre cenas fortes e conteúdo “pornográfico”. Mas confesso que o resultado, após assistir tudo, foi um pouco decepcionante. Não que o conteúdo divulgado não seja de extrema gravidade. As cenas são repulsivas, desabonadoras e passam muito longe do admitido como republicano. O problema é que mesmo achando tudo muito grave, digno de impeachment e processos judiciais, o que foi apresentado não passa de mais do mesmo que temos visto desde 1º de janeiro de 2019. É triste admitir, mas nos acostumamos aos absurdos.
Na reunião, o presidente escancarou que queria trocara o comando da Polícia Federal no Rio de Janeiro. Estava preocupado por que iam f… os filhos e amigos dele. Isso, no entanto, não era exatamente uma novidade. Desde o ano passado, depois que investigações se aproximaram ‘perigosamente’ do senador Flávio Bolsonaro (PR) e do motorista Fabrício Queiroz, o presidente tentava mudar o comando da PF no Rio de Janeiro. Pressionou, viu o ministro Sérgio Moro (Justiça) deixar a pasta e fez cumprir a vontade dele.
“Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro, oficialmente, e não consegui. E isso acabou. Eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meus, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence a estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira”, bradou o presidente.
O ministro da Educação, Abraham Weintraub, defendeu colocar na cadeia os ministros da Suprema Corte. Falou isso com a cara mais lavada, de quem vem sendo alvo de denúncias de racismo e outros atentados contra os direitos humanos. É, talvez, o segundo ministro mais despreparado que já passou pela pasta desde o início da República. Talvez, e só talvez, ganhe de Ricardo Vélez Rodriguez, demitido a contragosto por Bolsonaro. É o tipo de ministro admirado pelo presidente, por ser ideologicamente retrógrado, incompetentemente e falastrão.
“Eu por mim colocava esses vagabundos todos na cadeia, começando no STF”, disse Weintraub.
Teve posições mais tresloucadas, como as de Damares pregando a prisão de governadores e prefeitos. Vamos a elas um pouco mais na frente, porque a crème de la crème da reunião foi a ‘ideia genial’ do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. A proposta dele foi aproveitar a pandemia do novo Coronavírus para passar no Congresso toda sorte de projetos que beneficiem grileiros e os donos das motosserras que não descansarão enquanto não destruírem a floresta amazônica. E a referência ao “gado” foi hors-concours.
“Precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de Covid, e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas”, disse.
E aí chegamos à ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos), toda disposta a colocar governadores e prefeitos na cadeia. E por quê? Muito claramente por que estes gestores toparam adotar medidas mais duras para restringir a circulação das pessoas. E por que isso, Damares? Para salvar vidas. E por que cargas d’água a ministra tem falado em prender os governadores? Aí, meu amigo, só indo na goiabeira perguntar.
“A pandemia vai passar, mas governadores e prefeitos responderão processos e nós vamos pedir inclusive a prisão de governadores e prefeitos. E nós tamo subindo o tom e discursos tão chegando. Nosso ministério vai começar a pegar pesado com governadores e prefeitos”, acrescenta Damares Alves.
O vídeo teve o mérito único de revelar, para todo mundo, como as coisas são tramadas no governo. Como a postura antidemocrática e antipovo permeia toda a administração federal. Estamos em meio a uma pandemia e tem ministro falando em garrotear projetos que apoiam a devastação das florestas. Estão morrendo milhares de pessoas no país e uma ministra estava preocupada em prender prefeitos e governadores adversários. Estávamos na curva de subida dos casos da pandemia e o presidente estava preocupado se os filhos e amigos seriam presos pela Polícia Federal.
Em dado momento, o presidente se refere ao governo em meio à pandemia como uma nau indo em direção a um iceberg. Mas, acreditem, a preocupação dele com esse naufrágio não era com salvar vidas. O pedido, como mostra a frase abaixo, dita aos auxiliares, foi para defendê-lo diante das crises.
“O nosso barco tá indo, mas não sabemos ainda […] esse vírus, pra onde tá indo nosso barco. Pode tá indo em direção a um iceberg. A gente vai pro fundo. Então vamos se ligar, vamos se preocupar. Quem de direito, se manifesta, com altivez, com palavras polidas, tá? Mas coloca uma posição! Porque não pode tudo, tudo, veio pra minha retaguarda, tudo tá? E vocês têm que apanhar junto comigo, logicamente quando tiver motivo pra apanhar, ou motivo pra bater”, afirmou o presidente aos ministros.
Ou seja, estamos no meio de um filme de terror e o medo é que não tenhamos um final feliz.