A pandemia do coronavírus tem mostrado o quanto o mundo está longe de produzir ações coletivas para salvar o homem. Já são mais de cinco meses com a doença se espalhando pelo planeta, mas até agora não vimos qualquer possibilidade do problema ser tratado de forma conjunta, menos ainda os efeitos econômicos.
Muito pelo contrário, os países não abriram mão da prática concorrencial e passaram a disputar o mercado do caos. A regra de que a demanda estabelece o preço nunca foi tão verdadeira. Respiradores passaram a ser vendidos como artigos de luxo. Voos com cargas de equipamentos destinados ao tratamento e prevenção tiveram que buscar rotas alternativas, para conseguirem chegar ao destino. O capitalismo não tirou folga nem mesmo diante de tantas mortes e do sofrimento espalhados pelo mundo.
O contexto que estamos vivendo explicitou que solidariedade não faz parte da cartilha global. O cada um por si é a palavra de ordem mais em voga. Uma crise que deveria ser de todos, servirá para aprofundar diferenças. Quanto isso irá custar? Pouco importa, a pobreza e a desigualdade sempre foram a maior fonte de ganhos do capital. Pobres precisarão de crédito, os bancos estarão prontos para emprestar e, assim, spreads gigantescos serão praticados, visto que, teremos riscos e procura maiores.
No momento de crise, quem deveria pagar a conta terá ainda mais lucros. Esse será o bônus que os bancos e as nações mais ricas ganharão com a desgraça alheia. Em meio a tudo isso, alguns setores que deveriam ser preservados, como a educação e saúde, fazem malabarismos para manter o faturamento, deixando claro que não passam de mercadoria. O que será entregue não está em questão.
No caso da educação, a alternativa tem sido o ensino a distância. Buscam no uso da internet a saída para manter o negócio. Da noite para o dia, escolas e faculdades passaram a adotar essa modalidade de forma generalizada, desconsiderando preceitos que deveriam reger o ensino. Até crianças nas primeiras séries do ensino fundamental passaram a receber o delivery educacional via rede. São obrigados a engolir um produto mal preparado e frio. Para os liberais terraplanistas que comandam o país, isso não faz diferença. É preciso dar garantias aos bancos, educação é acessório.
A ideia de que a educação, assim como outros produtos, pode ser oferecida por empresas, foi absorvida pelos diversos níveis sócio-econômicos. Em muitos casos, passou a ser símbolo de status e padrão de consumo. Assim, a escolha do colégio ou faculdade tem seu preço influenciado por parâmetros especulativos. Nessa perspectiva, deixa de ser um direito universal e torna-se relativo.
Para clientes e fornecedores, o mercado educacional parecia uma atividade imune. Pois, seguiam desconsiderando as deficiências do setor público. Mas uma pandemia desconstruiu o que parecia sólido. A postura predadora dos empresários do setor foi trocada pela imagem benevolente. Agora dizem estar preocupados em garantir os empregos dos professores e demais funcionários. Os clientes que, muitas vezes, assim como os proprietários, acreditavam ter a segurança de receber o serviço pelo qual pagavam independente de crises, perceberam no bolso a necessidade de tratar educação como direito e não mercadoria. Na hora que as coisas apertam, o mercado quer saber de garantir seus ganhos. Para isso, usam até a fragilidade dos trabalhadores como justificativa. Resta aos consumidores aceitarem as novas regras ou terão que arcar com prejuízos maiores.
Dessa forma, aceitam a robotização do ensino, a precariedade, a falta de experimentação, desconsideram a necessidade de vivência e o cumprimento efetivo das bases curriculares. Como estão presos a um contrato, a relação de compra e venda é quem determina o grau de consenso que chegarão. Pouco importa se teremos um ensino capenga e desumano. Não se pode perder. Afinal, tempo é dinheiro.
A regra vale para um médico que saíra mal formado, como também, para o aluno que está contando os dias para fazer o ENEM. Os prejuízos à sociedade (públicos) são desconsiderados. A premissa liberal do século XVIII laissez faire, laissez aller, laissez passer (deixai fazer, deixai ir, deixai passar) passa a ser utilizada sem qualquer pudor. Algo absurdo nos dias de hoje e mais grave quando estamos falando de educação.
A perda da noção do que é direito alimenta a sociedade de mercado. Foi preciso uma pandemia para que se percebesse a armadilha capitalista no que diz respeito a saúde e educação. Nem o melhor dos planos de saúde, nem o colégio mais caro foram capazes de entregar os serviços contratados. A lógica do lucro os isenta de responsabilidade social. Na hora que a situação perde controle, querem dividir o prejuízo com todos.
Saúde e educação fossem estritamente públicas teríamos um mundo mais solidário. Professores, pais e alunos não estariam nessa luta incessante para extrair leite de pedra, devido a competitividade e um calendário ditado por empresas. Para quem está na escola pública, sem qualquer condição de estudo, a recomendação do Ministério da Educação é a seguinte: “vire-se, estude de qualquer jeito. Não estamos aqui para corrigir distorções sociais”.
Num país onde milhões de crianças e jovens vão a escola primeiro para comer e depois para aprender algo no ensino formal, a ausência do Estado Brasileiro durante a pandemia é quase que total. Se na saúde o presidente dá os piores exemplos com relação a prevenção e tratamento ao coronavírus, na educação segue a orientação dos epidemiologistas: lava as mãos.