Cada um no seu quadrado. Assim deveriam ser as coisas na República, para evitar suspeições desnecessárias. Os exemplos são muitos, mas vamos nos deter ao último. O presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), João Otávio de Noronha, decidiu nesta quinta-feira (9) transferir o policial aposentado Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), para prisão domiciliar. Aí eu pergunto: tem algo de errado na sentença? Em tese, não. Os pressupostos estão lá. O problema está na leitura outra do gesto.
Me explico melhor. Fabrício Queiroz está no centro do escândalo das “rachadinhas”. O escândalo compromete o senador Flávio Bolsonaro, o ‘Zero Um’. Compromete, também, a primeira-dama, Michelle, por causa de um cheque de R$ 26 mil saído da conta de Queiroz para a dela. Compromete o presidente, porque a filha de Queiroz trabalhou no gabinete do hoje ex-deputado federal. E não para por aí. Sumido, enquanto era procurado pelo Ministério Público, o policial aposentado foi encontrado no sítio do advogado de Flávio, em Atibaia (SP). Na família, ao que se comenta, todos temem uma delação de Queiroz.
E a decisão de mandar Queiroz para casa veio justamente de Noronha, um ministro por quem Bolsonaro, em pronunciamento recente, disse sentir “amor”. Foi em abril, na posse do ministro da Justiça, André Mendonça, e do Advogado-geral da União, José Levi. Na ocasião, Bolsonaro elogiou o presidente do Superior Tribunal de Justiça.
“Prezado Noronha, permita-me fazer assim, presidente do STJ. Eu confesso que a primeira vez que o vi foi um amor à primeira vista. Me simpatizei com Vossa Excelência. Temos conversado com não muita persistência, mas as poucas conversas que temos o senhor ajuda a me moldar um pouco mais para as questões do Judiciário. Muito obrigado a Vossa Excelência”, disse o presidente.
Ora! Não sou eu quem vou dizer por quem o presidente da República deve sentir amor ou manifestar afeição. Mas a coisa não é tão simples assim. Essa proximidade, forçada ou não, gera prejuízo para a separação dos poderes quando há manifestação de uma decisão que, em tese, beneficia a família do presidente e a ele próprio.
Noronha concedeu a prisão domiciliar de Queiroz e da mulher, Márcia Aguiar. O detalhe é que ela está foragida, portanto, ganha agora o benefício da prisão domiciliar sem qualquer tipo de contribuição com a Justiça. Na decisão, tomada a pedido da defesa, o presidente do STJ afirmou que, consideradas as condições de saúde de Queiroz, o caso se enquadra em recomendação do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que sugere o não recolhimento a presídio em face da pandemia do coronavírus.
Queiroz foi preso no dia 18 de junho, no âmbito da investigação sobre o esquema de “rachadinhas” na Assembleia Legislativa do Rio. Ele ficou detido em uma cela no presídio de Bangu, no Rio. A prática ocorre quando funcionários são coagidos a devolver parte de seus salários. O filho de Bolsonaro foi deputado estadual de fevereiro de 2003 a janeiro de 2019.