Qualquer paralelo que se faça entre o futebol brasileiro e o modelo que se pratica na Europa parte de um princípio injusto, pois a diferença no volume de dinheiro que circula no Velho Continente e o que se investe em futebol por aqui revela o enorme abismo entre dois mundos completamente distintos, mas que entre si compartilham signos comuns, além de orbitarem em torno de uma mesma bola.
Há, no entanto, diversos exemplos a serem seguidos e que podem servir como modelo para o crescimento do esporte na Brasil, como a divisão de cotas de televisão e venda dos direitos de transmissão conforme é feito na Inglaterra.
O futebol inglês serve como exemplo até para se diferenciar dos outros no sentido da competitividade, já que assim, competitivo, também é o brasileiro. Todo início de ano, dos 20 times que começam a Série A do campeonato, ao menos dez, no papel, têm chances de vencer, e muitas vezes pelo menos cinco chegam até a reta final na briga. Quando foi que isso aconteceu pela última vez na Espanha? E na Alemanha? Na França, então, nem se fala.
É muito fácil elogiar supertimes, mas que na verdade disputam ligas contra 19 adversários, sendo um ou dois realmente fortes, e o resto um monte de times bem menores. É como se o Brasileirão hoje tivesse Flamengo, Palmeiras, e os outros 18 times viessem da Série C. Daí vem a supremacia de Barcelona, Real Madrid, PSG e Bayern em seus países. Na Inglaterra, ao menos a liga é mais competitiva.
Mas com todas as diferenças, a paixão pelo futebol une torcedores por todo o mundo. E, em meio à pandemia causada pelo novo coronavírus, também o receio, a cautela, o medo diante do que tem sido chamado de “novo normal”, e a incerteza se a volta do futebol é realmente segura para todos.
Diante das comparações mais esdrúxulas que surgem sempre que alguém arrisca fazer paralelos a respeito de clubes brasileiros e europeus, uma sensata é a que aborda unicamente o critério da paixão pelos times e compara brasileiros e italianos. Isso acontece em diversos aspectos, desde o amor ao clube até o sentimento que torcedores mantêm por seus ídolos, como se fossem familiares.
Nessa volta do futebol em um mundo que precisa conviver com a covid-19, os italianos sabem bem o tamanho do problema. Para eles, a retomada acontece em um país que foi devastado pela doença, que alertou o mundo para a gravidade do que era ter superlotação em hospitais, filas de espera por leitos e mortes por falta de vagas na Saúde.
Assim como nós, brasileiros, os italianos entendem bem que o futebol não é só futebol. É paixão, arte, fé, religião. Futebol é fator social de convivência. Futebol é cotidiano. Agora, futebol também é gratidão.
O exemplo aconteceu na Itália, mas protagonizado por um português. Na terça-feira (14), o craque da Juventus, Cristiano Ronaldo, fez um gesto de agradecimento a um grupo de profissionais que dedicaram suas vidas a enfrentar o novo coronavírus de frente. O jogador doou camisas autografadas a médicos cubanos que atuaram no enfrentamento à covid-19. A Itália teve mais de 34 mil mortos pela doença.
O Brasil, que demoniza médicos cubanos, prepara o retorno dos estaduais. No Rio já tem até Flamengo campeão. São mais de 75 mil mortos no país e quase 2 milhões de contaminados. Em 11 estados há alta no número de mortes, e o índice de letalidade atinge o nível mais alto da pandemia. Na Paraíba, são cerca de 1400 mortos e 64 mil casos da doença. Mas o futebol recomeça. Segue o jogo.
Texto publicado na edição de 15.07.2020 do jornal A União