O isolamento social é uma das principais medidas de proteção contra o novo coronavírus durante a pandemia de covid-19, mas, para muitas lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis e intersexuais (LGBTI), estar em casa é sofrer violências causadas pela intolerância da própria família.
No Dia Internacional de Combate à LGBTIfobia, comemorado hoje (17), a Agência Brasil conversou com o coordenador executivo do Grupo Arco-Íris e diretor de Políticas Públicas da Aliança Nacional LGBTI, Cláudio Nascimento, que alertou sobre o peso adicional de situações como desemprego e confinamento para essa população.
O cruzamento entre a pandemia e a LGBTfobia já havia sido motivo de alerta da Organização das Nações Unidas (ONU) ainda nos primeiros meses da crise sanitária, no ano passado. Em abril de 2020, a ONU divulgou comunicado antecipando que a emergência sanitária exacerbaria as violências sofridas por LGBTIs.
Integrante de movimentos que lidam com denúncias sofridas por essa população, Cláudio Nascimento lamenta que o cenário tenha se confirmado. “Estar em casa, para a comunidade LGBT, nem sempre é um lugar de conforto e de segurança. Com a pandemia, temos recebido denúncias de todos os tipos, de agressões físicas, constrangimentos, humilhações, agressões verbais, violências psicológicas”, relata Nascimento, que, apesar disso, reforça a necessidade de adotar o isolamento social e evitar aglomerações para impedir a circulação do vírus.
Para escapar desse ambiente violento em casa e se manter em local seguro, muitos LGBTIs dependem de conseguir uma fonte de renda, diz o ativista, o que esbarra em outro problema agravado pela pandemia: o desemprego. “O emprego é a autonomia, é a independência, é a alforria para muitos LGBTIs poderem tocar suas vidas. Mesmo aqueles que moram com a família, ou têm dificuldade de assumir sua identidade, ainda têm algum tipo de segurança [estando empregados] para sair de casa se precisarem.”
A Aliança Nacional LGBTI estima que o desemprego possa chegar a 40% na comunidade LGBTI, e a 70% na população trans. Os percentuais estão muito acima dos 14,4% de desempregados na população geral, segundo a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Diante disso, a organização não governamental (ONG) reforça a importância de medidas de socorro, como auxílio emergencial às populações mais vulneráveis, e a urgência da vacinação para todos.
“É necessário, nesse período do Dia de Combate à LGBTfobia, chamar a atenção também para a violência estrutural, que se estabelece na exclusão das pessoas do trabalho, da saúde e de outros aspectos que interferem na cidadania e na autoestima”, completa Cláudio Nascimento.
O Dia Internacional de Combate à LGBTfobia é comemorado na data em que a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou a homossexualidade da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID), no ano de 1990, após décadas de luta da comunidade LGBTI contra a patologização de sua identidade. Apesar disso, somente em 2018 a transexualidade foi retirada dessa lista.
Para marcar o dia, a Aliança Nacional LGBTI e outras organizações que defendem os direitos da comunidade LGBT vão realizar em suas redes sociais uma live com o tema Pessoas LGBTI+ juntas, resistindo, apoiando e acolhendo, com a participação de artistas, políticos e ativistas, das 18h30 às 21h.
A transmissão ao vivo também vai chamar a atenção para as violências sofridas pela comunidade LGBTI, como o caso da vereadora Benny Briolly (PSOL), de Niterói (RJ), que anunciou na semana passada ter deixado o país temporariamente devido a ameaças contra a sua integridade física. Benny Briolly é a primeira mulher trans eleita vereadora na cidade fluminense.
Além de alertar para o acúmulo de vulnerabilidades que afetam a população LGBTI, Cláudio Nascimento destaca que, neste ano, a comunidade também comemora os 10 anos da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que reconheceu as uniões homoafetivas e garantiu aos casais formados por pessoas do mesmo sexo direitos iguais aos dos casais heterossexuais.
Em 5 de maio de 2011, os 11 ministros que formavam o STF na época decidiram, de forma unânime, equiparar os direitos das uniões homossexuais aos das heterossexuais. Após a decisão, o Conselho Nacional de Justiça determinou, em 2013, que cartórios de todo o país garantissem aos homossexuais o direito ao casamento. Segundo as Estatísticas de Registro Civil reunidas pelo IBGE, entre 2013 e 2019, cerca de 28 mil casais homoafetivos oficializaram casamentos no Brasil.
Cláudio Nascimento lembra que, desde 2011, decisões da Suprema Corte garantiram outras conquistas importantes, como o reconhecimento ao direito de transexuais corrigirem seus documentos de acordo com sua identidade de gênero, a equiparação da LGBTfobia ao crime de racismo, e a revogação da portaria que impedia homens que fazem sexo com homens de doar sangue.
“O grande desafio é a garantia do cumprimento desses direitos, dessas conquistas”, afirma.
Apesar dos avanços nos direitos LGBTI nas últimas décadas, 67 países ainda consideram crime relações consensuais entre adultos do mesmo sexo, segundo o último levantamento anual da Associação Internacional LGBTI (Ilga). Também há 42 países com barreiras legais contra a liberdade de expressão relativa a questões de gênero e sexualidade.
Enquanto isso, em apenas 11 países, a Constituição prevê a proteção contra a discriminação baseada na orientação sexual. Em 57 países, incluindo o Brasil, existe algum tipo de proteção legal contra esse tipo de discriminação.
As uniões civis entre homossexuais estão garantidas em 34 países, segundo o relatório, e, em 28, pessoas do mesmo sexo podem se casar.
Fonte: Agência Brasil