J.M. tem paralisia cerebral e microcefalia. Ele nasceu com apenas 29 semanas e aos dez anos de idade já passou por quatro cirurgias para melhorar sua qualidade de vida. Apesar dos esforços, ele não anda nem fala. A criança depende da ajuda da mãe e do pai para realizar atividades simples, como se alimentar.
Sua mãe, a autônoma Maria Josirene, 39, tem uma longa rotina semanal: ela precisa levar J.M. três vezes por semana para consultas com pediatra, fisioterapeuta e ecoterapeuta, além de outros atendimentos especiais, que não têm dias certos.
“Você acredita que eu nunca cheguei a contar quantas consultas levo ele por mês? Tem dia que preciso ir para uma consulta de manhã e outra à tarde, chego em casa apenas à noite”, conta Josirene.
Desde o início da pandemia de covid-19, Josirene passou a viver uma rotina restrita de sua casa para as consultas do filho. Apesar dos novos cuidados, o medo de contrair a doença ainda é grande. “Eu não tô vacinada, ele não está vacinado, qual segurança eu tenho? Nenhuma, não dá para confiar”, desabafa.
Pessoas com deficiência que têm mais de 18 anos já podem se vacinar em João Pessoa, mas como a vacina não é indicada para menores de idade, eles estão desprotegidos e representam preocupação para cuidadores, pais e mães, como Maria Josirene. Entre eles, existe o medo de se contaminar com o vírus e levar a doença até a criança, ou ficar impossibilitado de oferecer todos os cuidados necessários.
Segundo o IBGE, a Paraíba possui 62 mil pessoas com deficiência intelectual ou mental, que poderiam ter genitores e cuidadores beneficiados com a vacinação contra a covid-19. Entre as idades de 0 e 17 anos, que não podem se vacinar, são 13 mil crianças e adolescentes que precisam da proteção para seus pais e cuidadores.
No Estado do Rio de Janeiro, pais, mães, tutores, cuidadores, enfermeiros e técnicos de enfermagem que promovem cuidados e bem-estar para pessoas com deficiência intelectual poderão ser incluídos no grupo de prioridades para a vacinação contra covid-19. Sancionada pelo governador Cláudio Castro, a Lei 9.264/21 foi publicada no dia 3 de maio.
A norma é de autoria do deputado Rodrigo Amorim (PSL). Ela altera a Lei 9.040/20, que define os grupos de prioridades no Estado, como trabalhadores da Saúde, assistentes sociais, indígenas, quilombolas e outros.
Porém, a implementação da lei não atingiu todos os municípios. No Rio de Janeiro, os profissionais de saúde seguem o cronograma da Prefeitura, que afirma seguir o Plano Nacional de Vacinação. Outros municípios, como Nova Iguaçu, estão vacinando o grupo desde o dia 31 de maio.
Para se vacinar no Estado, o grupo deve comprovar a relação com deficientes intelectuais, através da certidão de nascimento e laudo médico (pais); decisão judicial ou sentença que concedeu tutela e laudo médico (tutores); relatório médico informando que cuida de uma pessoa com deficiência intelectual ou declaração da família e laudo médico (cuidadores, técnicos de enfermagem e enfermeiros).
Em João Pessoa, a Câmara Municipal possui um Projeto de Lei (PL 024/2021) em tramitação que pretende estender o grupo prioritário para mães, pais, tutores, cuidadores, técnicos de enfermagem e enfermeiros, que auxiliam nos cuidados e no bem-estar de pessoas com deficiência intelectual.
De acordo com o projeto, são consideradas doenças intelectuais: Síndrome de Down, Síndrome de X-Frágil, Síndrome de Prader-Willi, Síndrome de Angelman, Síndrome de Williams, Alzheimer, Transtorno do Espectro Autista (TEA) ou qualquer outra descrita pelo médico.
O projeto é de autoria do vereador Marmuthe Cavalcanti (PSL), que justifica a necessidade da medida através da possibilidade de oferecer uma maior segurança imunológica para os deficientes e a ampliação do vínculo familiar.
“A vacinação poderia nos assegurar saúde física e emocional, necessária para o prosseguimento de nossas atividades, sem haver comprometimento de nossas demandas, que são tão específicas, essenciais e, por vezes, não delegáveis”, afirma Ingrid F, formada em Direito e mãe de uma criança com Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Ingrid tem uma rotina que define como “intensa, cansativa, mas não menos feliz”, que leva à exaustão física, imunidade baixa, e que pode a tornar frágil diante de uma simples gripe. Atrelado a isso, existe o medo e a cobrança em excesso para não falhar, transformando a possibilidade de adoecer em impensável.
Durante a pandemia, todos esses sentimentos foram agravados, mas ela tem esperança de ver a inclusão de pais, mães e outros cuidadores de pessoas com deficiência intelectual incluídos no grupo de prioridades da vacinação contra covid-19.