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Justiça -
Quilombolas conquistam território na Paraíba e constroem cerca de proteção em área destinada à agricultura
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“Nós fizemos 615 metros de cerca nesses três dias. Coisa para 50 dias de serviço”, contou o agricultor quilombola Isac José dos Santos (Foto: Divulgação/MPF-PB)

Munidos de cavadores, enxadas, foices, martelos e muito arame, os quilombolas do Matão, comunidade remanescente dos quilombos, localizada nos municípios de Mogeiro (PB) e Gurinhém (PB), a cerca de 80 km da capital, passaram os dias 9, 10 e 11 de agosto de 2021 fincando algumas centenas de estacas de sabiá (árvore típica do Nordeste brasileiro) ao longo de parte do território conquistado após longa batalha judicial que chegou até o Superior Tribunal de Justiça (STJ). A construção da cerca, necessária para proteger do gado da fazenda vizinha as áreas agricultáveis do quilombo, foi acompanhada em todo o tempo por policiais do 8° Batalhão e do Batalhão de Operações Especiais (Bope), enviados pelo Comando-Geral da Polícia Militar da Paraíba para proteção dos quilombolas, em atenção a pedido do Ministério Público Federal, diante de ameaças contra a posse das terras pelos quilombolas.

“Nós fizemos 615 metros de cerca nesses três dias. Coisa para 50 dias de serviço”, contou o agricultor quilombola Isac José dos Santos, admirado com a produtividade do mutirão que mobilizou adultos, jovens e crianças do Matão. Para Isac, a conquista do território é um sonho realizado. “A batalha foi grande, foi difícil, uma peleja mesmo, mas com o apoio de todos vocês deu tudo certo, Agradeci aos policiais militares que nos ajudaram, nos apoiaram, não saíram do nosso lado nenhum minuto. Eles sempre perguntavam se estava tudo bem conosco. Que Deus abençoe todos que nos ajudaram, o MPF, o Incra, a Acaade, a Polícia Militar. Ficou todo mundo satisfeito. A comunidade inteira mandando agradecer a vocês”, disse o agricultor.

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A presidente da Associação do Matão, Josefa de Paiva Santos Silva, disse que toda a comunidade está se sentido feliz e realizada porque, agora, tem o próprio espaço para poder trabalhar, produzir e continuar a luta pelos seus direitos. Josita, como a presidente é mais conhecida, contou que o quilombo tinha consciência que o processo de conquista do território não seria fácil. “Sabíamos que poderia demorar, mas sempre estivemos confiantes de que um dia ia acontecer e esse dia, para nossa felicidade, chegou. É uma felicidade muito grande para nós termos realizado esse trabalho na cerca em apenas três dias, porque, agora, as nossas plantações estão protegidas e podemos seguir de cabeça erguida com nossa luta e nosso trabalho”, disse. Ela ainda ressaltou que a palavra que define hoje a comunidade é gratidão. “Gratidão a Deus, primeiro, e a todos aqueles que contribuíram para esse processo acontecer”, afirmou Josita.

Polícia cidadã e de Estado

Ao receber o pedido do MPF para proporcionar segurança aos quilombolas no trabalho de cercamento no território recém-conquistado, o comandante-geral da PM/PB, coronel Euller Chaves, prontamente ofereceu total apoio para a plena execução da ordem judicial e determinou que os policiais do 8º BPM e Bope acompanhassem todo o trabalho, desde o primeiro dia até a conclusão da cerca. O coronel explicou que tomou essa decisão pautado em uma relação cidadã, respeitosa e parceira com o Ministério Público Federal. “Por acreditar em sermos uma polícia cidadã e de Estado, onde os direitos devam ser respeitados para todos os segmentos sociais, independentemente de classe, raça, credo religioso ou gênero, enfim, a equidade e igualdade no tratamento das pessoas deve ser universal. Além da integral confiança na autoridade do procurador Godoy, que tem sido, ao longo dos anos, um verdadeiro defensor dos direitos humanos”, declarou.

Todo o trabalho de mutirão realizado foi registrado em fotos e vídeos pelos quilombolas Gilmar Valentim da Silva e João Guilherme da Silva Santos. As imagens mostram a evolução do relacionamento entre policiais e comunidade, ao longo dos três dias de convivência. É de João Guilherme, de 10 anos de idade, o vídeo que registra o momento final do mutirão em que, após a conclusão da cerca, quilombolas e policiais, perfilados, se apresentam para a câmera do menino quilombola.

É sinal de esperança

“Ter essa conquista nos tempos em que estamos vivendo, de tantos retrocessos, é sem dúvida uma vitória. É sinal de esperança”, declarou a presidente da Associação de Apoio aos Assentamentos e Comunidades Afrodescendentes (Aacade), Francimar Fernandes, sobre a imissão de posse do Incra em mais dois imóveis que integram o território quilombola do Matão, ocorrida no dia 4 de agosto de 2021. A Aacade acompanha a trajetória do quilombo desde o processo de resgate da identificação da comunidade, certificação do Matão como comunidade remanescente de quilombo, identificação e delimitação do território, desapropriação dos imóveis, a longa luta na justiça e, finalmente, a imissão do Incra na posse dos imóveis.

Em dezembro de 2020, o Incra se imitiu na posse da Fazenda Santo Antônio, com cerca de 118 hectares. Em 4 de agosto de 2021, houve a imissão da autarquia na posse das fazendas Riacho Verde I e Riacho Verde II, que somam 63 hectares. Resta ainda empossar a Fazenda Maria Natália I, com pouco mais de 10 hectares, para que todo o território de 214 hectares, que inclui ainda uma área de 23 hectares já pertencente à comunidade, seja registrado em nome das 40 famílias, conforme dados do Incra.

Legítimos proprietários

O procurador da República José Godoy, que atua no inquérito do MPF sobre o caso, explicou o motivo do pedido de ajuda feito ao Comando-Geral da Polícia Militar. “O acesso à terra, conquistado pelo quilombo do Matão, por meio de uma ação judicial, foi uma grande luta que chegou até o Superior Tribunal de Justiça, onde se deu a reparação histórica em decisão de mérito proferida pelo ministro Herman Benjamim”. O procurador relata que, apesar de existir uma decisão da Justiça Federal para que o Incra fosse imitido na posse dos imóveis desapropriados, os quilombolas não estavam conseguindo plantar as lavouras, invadidas pelo gado da fazenda vizinha, nem construir a cerca para proteger as plantações, em razão de ameaças à posse legítima do território.

“Foi preciso esse apoio muito importante da Polícia Militar para que a decisão judicial pudesse ser plenamente executada. Nós oficiamos ao comandante Euller Chaves, que prontamente atendeu à nossa solicitação e enviou os policiais para que houvesse suporte e a cerca fosse construída, trazendo paz e tranquilidade às famílias quilombolas”, relatou o procurador. “Todos estão de parabéns. A comunidade do Matão por ter, enfim, conseguido acessar o seu direito; o Incra, pela demarcação; e a Polícia Militar pelo exercício do seu papel de polícia cidadã ao garantir a posse da terra aos legítimos proprietários, os quilombolas”, declarou.

Certificados em 2004 pela Fundação Cultural Palmares como comunidade remanescente de quilombo, os integrantes das 40 famílias quilombolas do Matão tiveram decretada em 2013 a desapropriação dos imóveis que compõem o território da comunidade. Desde então, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) tem travado disputa judicial com os antigos proprietários das terras desapropriadas. Com parecer favorável do MPF, a Justiça Federal deferiu a imissão do Incra na posse dos imóveis que integram o território quilombola do Matão. O Ministério Público Federal acompanha a luta da comunidade por meio do Inquérito Civil nº 1.24.000.000726/2019-73.

Fonte: MPF-PB.

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