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Julgamento sobre paródia de música em propaganda eleitoral é interrompido por pedido de vista
Termômetro da Política
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Campanha de Lindolfo Pires para o cargo de deputado estadual, em 2010, ficou famosa pelo uso da música “Beat It”, mundialmente conhecida na voz de Michael Jackson (Foto: Reprodução)

O deputado Lindolfo Pires (Podemos) não foi o único político a ficar famoso por conta de paródias em jingles eleitorais. Em 2010, o parlamentar paraibano ‘estourou’ com o jingle que parodiava a música “Beat It”, de Michael Jackson, que chegou a ser suspenso por processo movido pela Sony Music, detentora dos direitos autorais da música. A prática de pegar carona em músicas famosas sem o consentimento do autor é comum na política, mas pode acabar em breve. O tema está em análise no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Um pedido de vista do ministro Raul Araújo interrompeu, nessa quarta-feira (9), o julgamento de embargos de divergência no qual a Segunda Seção do STJ analisa se a alteração de trecho de música, para utilização em propaganda político-eleitoral, caracteriza ou não paródia – para a qual é desnecessária a autorização do autor da obra original (artigo 47 da Lei 9.610/1998).

Os embargos foram opostos pela gravadora detentora dos direitos autorais da música “O Portão”, de Roberto Carlos e Erasmo Carlos, na tentativa de reformar acórdão da Terceira Turma do STJ que negou o seu pedido de indenização contra o deputado federal Tiririca, pelo uso não autorizado da canção na campanha eleitoral de 2014.

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A gravadora ajuizou ação reparatória de danos materiais alegando que o deputado alterou a letra original da música para criar o refrão “eu votei, de novo vou votar / Tiririca, Brasília é seu lugar”, e cantá-la com trajes que imitavam a aparência de Roberto Carlos.

A detentora dos direitos autorais apontou como paradigma o REsp 1.131.498, no qual a Quarta Turma condenou um supermercado pelo uso não autorizado e com alterações da música “Roda, Roda, Roda”, em propaganda de televisão. Nesse julgamento, os ministros entenderam que o uso da canção serviu para atender aos interesses comerciais da empresa e afastaram a configuração de paródia.

Lei enumera limitações ao direito patrimonial do autor

Segundo o relator dos embargos, ministro Luis Felipe Salomão, a Lei 9.610/1998 estabelece que os direitos morais do autor incluem o de modificar a obra literária, artística ou científica, assim como o de assegurar a sua integridade, “opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra” (artigo 24, incisos IV e V).

No entanto, o magistrado lembrou que a Lei 9.610/1998 enumerou várias limitações ao direito patrimonial do autor, afastando a exigência da autorização prévia para a utilização da criação intelectual em casos específicos, como as paráfrases e paródias, que não sejam verdadeiras reproduções da obra originária e que não impliquem o seu descrédito.

Conotação comercial não impede configuração da paródia

Mencionando doutrina sobre o assunto, o ministro afirmou que “a paródia é imitação cômica de uma composição literária, filme, música, uma obra qualquer conhecida do público. Quase sempre dotada de comicidade, a paródia utiliza-se do deboche e/ou da ironia para entreter ou para promover a crítica ou a reflexão sobre a obra original (paródia-alvo) ou qualquer outro tema (paródia-arma)”.

Na sua avaliação, a proteção legal desse tipo de criação intelectual tem por escopo resguardar a liberdade de expressão, “condição essencial ao pluralismo de ideias, que, por sua vez, constitui um valor estruturante do regime democrático”. O relator ponderou, no entanto, que a liberdade para a criação de paródia não pode servir de pretexto para a apropriação indevida de obras alheias.

Salomão verificou que, após o julgamento do acórdão paradigma pela Quarta Turma, no qual o supermercado foi condenado, houve dois outros julgados das turmas de direito privado do STJ em que se concluiu que a falta de conotação comercial não é condição obrigatória para o reconhecimento da licitude da manifestação do pensamento pela paródia, nos termos do artigo 47 da Lei 9.610/1998.

Requisitos para caracterizar a paródia em propaganda eleitoral

Para o ministro, é possível que um jingle político caracterize uma paródia de livre elaboração e exploração pelo titular do direito autoral da obra derivada, nos termos do artigo 47 da lei, mas devem ser observados alguns requisitos objetivos.

Ainda que o propósito eleitoral, comercial ou publicitário não impeça a configuração da paródia, o relator concluiu que a licitude de sua elaboração e utilização dependerá do preenchimento de alguns requisitos: (1) existência de certo grau de criatividade (ou seja, a obra derivada não poderá ser verdadeira reprodução da obra parodiada); (2) ausência de efeito desabonador da obra originária; (3) respeito à honra, à intimidade, à imagem e à privacidade de terceiros; (4) observância do direito moral de ineditismo do autor da criação original.

Além disso, Salomão afirmou que, à luz das normas internacionais, como a Convenção de Berna, a reprodução não autorizada de obras de terceiros deve respeitar a “regra do teste dos três passos” (three-step-test), ou seja, ela é possível em casos excepcionais, que não conflitem com a exploração normal da obra nem prejudiquem, injustificadamente, os interesses legítimos do titular do direito autoral.

Na hipótese dos autos, o magistrado observou que a utilização de trecho da música (com a letra alterada) na propaganda eleitoral do então candidato a deputado satisfez todos esses requisitos, não tendo sido apontado nenhum constrangimento – de índole moral, psicológica, política, cultural ou social.

“Percebe-se nitidamente que houve criatividade e ineditismo do autor da paródia, sem efeito desabonador, observada a regra dos três passos, de modo que a demanda indenizatória não procede”, declarou.

Por enquanto, apenas o relator votou. Não há data prevista para a continuação do julgamento.

Relembre o jingle de Lindolfo em 2010

Fonte: STJ

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