Comprar um imóvel na planta apresenta muitas vantagens: preços mais baixos, negociações flexíveis e viver em um edifício moderno e recém-construído. Após assinar o contrato e receber uma promessa de entrega, parece tudo encaminhado para a realização do sonho da casa própria, mas o contrato não pode prever a paralisação da construção por causa de uma construtora que declara falência ou pede recuperação judicial. Essa é a história de dezenas de investidores que adquiriram unidades no Master Club Residence e no Edifício Liège.
Em setembro de 2010, o administrador Roberto Cavalcanti assinou um contrato que representava o sonho da casa própria para sua família: comprou na planta uma das 240 unidades que estavam sendo construídas no Master Club Residence, localizado no Aeroclube, em João Pessoa. O empreendimento deveria ser entregue cinco anos depois, em dezembro de 2015, mas até hoje Roberto não pode morar no imóvel. A empresa que comandava as obras, a construtora Renascer, não finalizou a construção porque declarou falência.
O Edifício Liège, localizado no Altiplano, também teve suas obras paralisadas, mas pela construtora GBM Engenharia, que declarou falência. Com a promessa de entrega para 2016, a construção previa a entrega de 196 apartamentos. Em vídeo publicado no YouTube, os compradores contam suas histórias e como a paralisação das obras prejudicaram suas vidas.
O desejo dos adquirentes do Edifício Liège e Master Clube Residence é que os empreendimentos sejam destituídos e que a justiça permita a continuação das obras por conta deles ou de outra construtora. Segundo o advogado que representa os compradores dos dois empreendimentos, Daniel Braga, 110 famílias foram prejudicadas com a paralisação das obras do Master Club Residence. Já no Liège, foram cerca de 120 famílias lesadas.
Daniel Braga afirma que a relação das construtoras responsáveis pela obra com o Banco do Brasil impede que a construção seja concluída por outros interessados. Segundo ele, as construtoras solicitaram empréstimos à instituição financeira, oferecendo como hipoteca as unidades comercializadas e em estoque. O alto débito bancário causado pelos juros, taxas e encargos levou a impossibilidade de retomar as obras, porque nenhum investidor ou construtora buscaria concluir uma obra com altas dívidas.
“Os adquirentes têm a difícil missão de viabilizar o retorno e conclusão das obras, e os débitos bancários não são sua obrigação. Não é crível que seja justo impor aos consumidores já tão prejudicados a obrigação de pagar juros de um empréstimo que não tomaram – e, destacamos, se o débito é alto, a culpa também, é de quem emprestou, tendo sido igualmente irresponsável e negligente com o fracasso do empreendimento”, defendeu o advogado.
Neste mês de maio, a última decisão do juiz Josivaldo Félix de Oliveira, da 1° Vara Cível da Capital, sobre o caso do Master Club Residence, garantiu a emissão de posse à Comissão de Adquirentes do edifício. Em 2019, os compradores do Edifício Liège também alcançaram a tutela de urgência favorável aos moradores. Os casos citados continuam em julgamento.
Antes de investir dinheiro em imóveis na planta, é importante ter cuidados que podem evitar problemas futuros como o atraso e paralisação das obras, pedidos de recuperação judicial ou declaração de falência. São vários os indícios que devem acender um alerta para o comprador e uma rápida pesquisa na internet pode evitar golpes ou complicações com a construtora.
Como evitar problemas ao comprar imóveis na planta?
O advogado e especialista em Direito do Consumidor, Mateus Marques, afirma que é sempre importante tomar cuidado com ofertas “imperdíveis” ou “inacreditáveis”. Segundo ele, empresas oportunistas utilizam o sentimento de urgência para atrair pessoas para possíveis golpes. Antes de comprar qualquer imóvel na planta, ele recomenda verificar a situação cadastral da construtora e se ela possui registro regular.
O Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) pode ser consultado em navegadores de busca, como o Google, que revelam quando a empresa foi criada e qual seu capital inicial. Essas duas informações são importantes porque empresas criadas há pouco tempo e com baixo capital inicial, ao oferecer grandes empreendimentos, podem acender um alerta preocupante. Outro fator que deve ser observado pelos compradores é se a empresa fez outros empreendimentos semelhantes ao que está se propondo realizar.
“É muito comum que fraudadores criem uma construtora fraudulenta apenas para aquela construção. Caso não haja histórico comprovado de obras concluídas, esta é uma grande bandeira vermelha para o consumidor”, afirmou o advogado.
O consumidor também deve verificar junto à Justiça Estadual ou Federal se há processos contra a construtora que pretende realizar o empreendimento. Segundo o advogado, é comum empresas serem processadas, mas uma quantidade muito grande é um sinal preocupante para o comprador.
Sobre atrasos na entrega do imóvel, Mateus lembra que a lei N° 4.591 garante ao consumidor a criação de uma comissão de fiscalização de obra, podendo ser formada por três compradores da obra. Caso eles identifiquem atraso na entrega do imóvel, eles podem buscar destituir a construtora e assumir a finalização da obra, mas também é possível entrar na justiça para garantir uma indenização por descumprimento de contrato. As mesmas medidas também podem ser tomadas em caso de recuperação judicial ou falência da construtora.
Quando uma empresa declara recuperação judicial, a justiça pode nomear um administrador, que vai fiscalizar as atividades da empresa e o cumprimento do plano de recuperação, para que a obra seja concluída. Mas se a construtora já estiver falida, a justiça pode utilizar os bens da empresa, seja para finalizar a obra ou pagar uma indenização aos compradores. Se não houver bens suficientes, a justiça determinará a desconsideração da personalidade, uma medida que levará sócios a ficarem disponíveis para o pagamento das dívidas da construtora.
*sob supervisão de Felipe Gesteira