Antes de embarcar rumo à capital do Distrito Federal, eu tive medo. Afinal, durante a semana que antecedeu a posse de Lula (PT) foram comuns episódios de violência, vandalismo e tentativas de golpe em Brasília. Perto da época natalina, uma bomba foi desarmada em local próximo do aeroporto. Eu tive medo de ir, mas fui. O povo também se mobilizou e não desistiu.
A emoção começou antes mesmo dos passageiros do avião das 14h desembarcarem na capital do Distrito Federal. O grito de “Olê olê olá” ainda dentro da aeronave era alto e carregado de força. Eu entendi ali, naquele momento, que a festa da democracia não era qualquer uma. E, sim, a festa de uma democracia representativa. Diferente do medo que os brasileiros sentiram de usar vermelho para votar 13 na urna, o povo chegou “avermelhando” Brasília, em tom de enfrentamento e sem medo de ser feliz. Era o presente, o passado e o futuro entremeados e em festa.
Quando o grande dia amanheceu, 1 de janeiro de 2023, eu acordei e pensei: “É real?”. Já estava ao som desse momento histórico que ecoava memória, esperança e futuro. Era a televisão ligada, reverberando a emoção que eu viveria logo mais. Esse momento ficou especialmente guardado na minha lembrança: imagine uma estudante de jornalismo, que estagia com jornalismo político, saber que acordou inserida em um dos momentos históricos mais importantes da democracia brasileira? Era o jornalismo, que é conhecido como o quarto poder, e a história acontecendo ali, na minha frente.
À mente, também veio o momento de anseio durante as tardes no estágio, antes de chegar em Brasília, em que batia o desespero ao pensar em supostos ataques ao presidente e ao povo brasileiro presentes na posse. Então Felipe Gesteira, o meu supervisor de estágio no Termômetro da Política, me sugeriu escrever sobre o novo ministro da Justiça, Flávio Dino, tranquilizando a população, em que Dino escreveu as seguintes palavras: “A posse do presidente Lula ocorrerá em paz. Todos os procedimentos serão reavaliados, visando ao fortalecimento da segurança. E o combate aos terroristas e arruaceiros será intensificado. A democracia venceu e vencerá.” E venceu!
Depois de assistir um pouco de TV, segui rumo ao Palácio do Planalto, acompanhada de pessoas que fizeram “vaquinha” e chegaram de ônibus, ou dividiram a gasolina de um carro antigo, de avião ou caravana; tudo para celebrar a festa da democracia! Estavam presentes pessoas negras, brancas, muitos LGBTQIA + com seus pares. Ali tinham corpo e alma do povo brasileiro.
Ao chegar, a fila estava imensa, mas organizada. Todos estavam felizes e aliviados. Era o terceiro mandato do presidente Lula, que estava representado, também, pelas três estrelas instaladas entre o palco “Gal Costa” e o palco “Elza Soares” do Festival do Futuro.
Foram dia, tarde, noite e madrugada históricos!
Lula iniciou a solenidade no trajeto tradicional do carro presidencial, o Rolls-Royce. Estavam ele, o seu vice-presidente, Geraldo Alckmin (PSB), e as respectivas esposas, que subiram primeiro no carro.
Eu optei por aguardar o presidente já na Praça dos Três Poderes. Lá, todos nós estávamos curiosos para saber quem passaria a faixa presidencial para Lula, já que o ex presidente Bolsonaro covardemente saiu do Brasil antes mesmo de seu mandato chegar ao fim.
Chegando ao Palácio do Planalto, Janja da Silva e Lu Alckmin foram as primeiras a subirem a rampa do palácio. Não demorou muito para, depois do discurso emocionante, Lula receber a faixa presidencial “das mãos do povo brasileiro”, representadas pela catadora Aline Sousa, de 33 anos; Francisco, de 10 anos, filho de uma assistente social; Cacique Raoni Metuktire, uma liderança indígena; o metalúrgico Weslley Viesba Rodrigues Rocha; o professor Murilo de Quadros Jesus; Jucimara, que é cozinheira; Ivan, um jovem com paralisia cerebral; e o artesão Flávio Pereira. Alguns deles passaram meses na vigília “Lula Livre”, quando o presidente Lula foi injustamente preso no ano de 2018.
Como foi bom escutar que a minha vida importa! Era a festa da vida renascendo ali, na minha frente. O retorno da dignidade, a restauração da esperança! Um dia inesquecível, talvez um dos mais importantes da minha vida enquanto estudante de universidade pública, nordestina, mulher e bissexual.
O que fica é a importância de se ter memória na construção diária do presente e do futuro. Finalizo com um trecho da música “Prelúdio”, de Raul Seixas: “Sonho que se sonha só/ É só um sonho que se sonha só/ Mas sonho que se sonha junto é realidade”.
Fotos: Laura de Andrade