No segundo e último dia da audiência pública convocada pelos ministros Dias Toffoli e Luiz Fux, ambos do Supremo Tribunal Federal (STF), palestrantes discutiram as disposições do Marco Civil da Internet, a responsabilidade dos provedores pelos conteúdos publicados por usuários e as possibilidades de remoção desses conteúdos. A audiência teve início nessa terça-feira (28) e, ao todo, foram ouvidos 47 expositores.
Confira, abaixo, o resumo das exposições desta manhã.
Na retomada da audiência pública, o representante da Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ), Marcelo Guedes Nunes, afirmou que a inclusão digital cria um ambiente de maior potencial de litígio, mas as incertezas do marco legal na área também geram litigiosidade.
O professor acrescentou que, apesar da necessidade de aprimoramento, o Marco Civil da Internet é uma das políticas públicas mais bem-sucedidas que ele teve a oportunidade de estudar, após realizar pesquisas sobre o tema por uma década.
Miguel Novaes, do Diretório Nacional do PT, falou sobre a abordagem do partido para combater fake news nas redes sociais e o preparo das campanhas para lidar com o desafio. Destacou normas do TSE sobre o tema e o trabalho das agências de checagem.
Segundo Novaes, mesmo assim a estratégia não evita a disseminação de notícias falsas e o Marco Civil da Internet não foi suficiente para impedir o que classificou de “atentado à democracia” enfrentado no período das eleições.
O professor Diogo Rais, do Instituto de Liberdade Digital e da Faculdade de Direito/Mackenzie, ressaltou que o art. 19 do Marco Civil da Internet estrutura um sistema de responsabilidade das plataformas em relação a conteúdos publicados por terceiros.
Segundo Diogo, caso o dispositivo seja retirado do cenário jurídico, será criado um dilema sobre que regra passará a vigorar enquanto outra não for aprovada pelo Poder Legislativo. Para ele, a responsabilidade que a questão envolve é um dos grandes desafios dos nossos tempos.
Para o prof. Ricardo Campos, do Legal Grounds Institute, a visão de que as plataformas de redes sociais seriam um intermediário neutro está em crise e leva a uma nova abordagem em relação à gestão da liberdade de expressão dos indivíduos e impacto na opinião pública e democracia.
O professor defendeu que, diante dessa mudança de cenário, devem ser fixados deveres para regular o exercício de direitos fundamentais na internet. Para ele, o STF deve obrigar as plataformas, por exemplo, a criar um canal de denúncias.
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Pela InternetLab, Francisco Cruz defendeu o art. 19 do Marco Civil da Internet e afirmou que a proteção plena de direitos fundamentais na área digital depende da criação de outras regras pelo Legislativo, tendo o marco civil como “piso regulatório”.
Pela ABCID, Daniel Dias afirmou que o art. 19 do Marco Civil da Internet deve ser interpretado conforme a Constituição, excluindo-se do dispositivo postagens envolvendo menores de idade e usuários que “envolvem risco sistêmico”.
Representando a Rede de Direito Civil Contemporâneo, o professor Rodrigo Xavier Leonardo afirmou que o Poder Judiciário é o local competente para ponderar sobre a liberdade de expressão como valor nuclear no Direito brasileiro.
Para o professor, o artigo 19 do Marco Civil da Internet deve ser mantido, mas é possível um aprimoramento da legislação em relação a situações de vulnerabilidade para corrigir o déficit de proteção que ocorre atualmente, sem prejuízo da liberdade de expressão de pensamento.
Anderson Schreiber, da Clínica de Responsabilidade Civil da UERJ, afirmou que o art. 19 do Marco Civil da Internet traz “severos obstáculos” à tutela de direitos fundamentais nos ambientes digitais e cria uma imunidade sem paralelo em qualquer setor do direito civil brasileiro.
Para João Quinelato, do IBDCivil, o art. 19 do Marco Civil está na contramão da previsão constitucional para a responsabilização civil e prioriza a tutela patrimonial ao invés da humana. Segundo ele, o Estado deve exercer papel regulador para a proteção dos direitos das pessoas.
Fabro Steibel, do Instituto de Tecnologia e Sociedade, do Rio de Janeiro, afirmou que importar solução estrangeira sem comprovar eficácia é um risco, pois não compreende particularidades locais. Ele defendeu o aprimoramento do Marco Civil e ressaltou que a moderação excessiva viola a democracia e enfraquece o debate público.
Para Patrícia Peck, representante do ISTART e INB, cabe ao Judiciário suprir as lacunas do direito digital. Ela ressaltou que perfil falso é crime e a exclusão deve ser feita imediatamente pelas plataformas. “O cidadão não pode ficar refém dos provedores.”
Nicolo Zingales, do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas (RJ), defendeu que os provedores devem adotar tecnologias para conter conteúdos ilegais e ser responsabilizados caso não adotem, e que o Legislativo defina critérios claros para a proteção dos direitos humanos nas plataformas digitais.
Representante do Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (SP), Alexandre Pacheco da Silva destacou a responsabilidade das plataformas sobre a propagação de conteúdos ilegais e que o art.19 do Marco Civil é peça central para conter essa prática, mas pode ser aprimorado por iniciativas legislativas.
Para Aislan Basílio, da Associação Brasileira de Rádio e Televisão, não há democracia sem liberdade de expressão, e a internet é essencial para isso, mas conteúdos infringentes devem ser retirados por algoritmos e, os de cunho subjetivo, após análise e determinação judicial, com aprimoramento da legislação.
Marcelo Hobaika, da Associação Nacional dos Editores de Revistas, afirmou que o art. 19 do Marco Civil relativiza a proteção da dignidade da pessoa humana. Para ele, não é possível que o consumidor seja colocado em posição de inferioridade aos provedores de internet, que não podem vilipendiar os direitos dos cidadãos.
No encerramento da audiência, o ministro Luiz Fux enalteceu o grau de excelência dos expositores. Segundo ele, as palestras foram enriquecedoras e contribuem na análise do tema, que perpassa conhecimentos interdisciplinares e não são estritamente inerentes à seara jurídica.
Para o ministro Dias Toffoli, a audiência sobre o Marco Civil da Internet foi relevante para trazer ao Tribunal as várias visões da sociedade, subsidiar a análise da legislação, do funcionamento e limites das plataformas diante dos princípios constitucionais.
Fonte: STF