Baixa distribuição de terras a vulneráveis, falta de regularização de propriedades a produtores familiares e agricultura focada em exportação foram apontados por participantes como barreiras para vencer o problema da fome no país, tema da audiência pública realizada pela Comissão de Direitos Humanos (CDH).
O debate realizado nessa segunda-feira (8) é o segundo de um ciclo que se iniciou em março. A ideia foi promovida pelo DataSenado e acatada pelo presidente da CDH, senador Paulo Paim (PT-RS), que a transformou no requerimento (REQ) 13/2023. “Toda audiência pública que faço é proposta da sociedade”, disse Paim.
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A senadora Zenaide Maia (PSD-RN) criticou a grande parcela de exportações que caracteriza o agronegócio no Brasil. Para Zenaide, a segurança alimentar, acesso à alimentação adequada, é prejudicada quando produtores deixam de suprir o mercado interno. A senadora elogiou a China como exemplo de preocupação com alimentação de seus cidadãos.
“A gente é um dos maiores produtores e exportadores de proteína e de grãos do mundo, e não fica nada para esse país. Como justificar ter esta quantidade de desnutridos? Caiu, nos últimos anos, 40% da produção de alimentos como arroz e feijão, porque são outros grãos que são exportados em dólares. Precisa mudar esse tipo de extrativismo. Uma China, [com] 1,4 bilhão de habitantes, se submete a qualquer tipo de crítica, mas importa alimentos porque respeita o seu povo e quer alimentá-lo. E isso é uma decisão política”, disse Zenaide, que apontou a agricultura familiar como uma das responsáveis por prover alimentos aos brasileiros.
O senador Jaime Bagattoli (PL-RO) também defendeu a importância dos produtores familiares, mas rechaçou atribuir culpa a determinado setor do agronegócio.
“Temos que dar prioridade ao pequeno produtor, ajudar na comercialização… No meu estado, mais de 50 mil proprietários da produção familiar não têm regulação fundiária. Tem pessoas há mais de 40 anos na propriedade. [Mas] nós precisamos acabar no Brasil é com essa divisão: agricultor familiar, granjeiro, grande produtor… Todos têm sua contribuição para o país. Não podemos mais colocar uma rivalidade entre o rico e o pobre”, disse Bagattoli.
A representante do Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana (Potma), Regina Barros Goulart Nogueira, defendeu que o conceito de território para os povos de matriz africana influi no combate à fome e ao racismo e na distribuição de terras aos povos tradicionais.
“O próprio corpo é um território. Cada vez que um ser está em insegurança alimentar, esse território está sendo atacado. Então, entender que os alimentos cultivados nessas hortas comunitárias, por exemplo, são importantes não só para alimentação física, mas também a espiritualidade, preserva da questão do racismo. Queremos terras, território e territorialidade”, disse Regina, relembrando a importância do Estatuto da Desigualdade Racial (Lei 12.288, de 2010), de autoria de Paim, para os negros no Brasil.
O representante do Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST), Fabiano Monteiro, apresentou projetos sociais do movimento que distribuem alimentos e constroem casas para pessoas em situação de pobreza. Para Monteiro, é insuficiente apenas oferecer alimento quando a família não consegue comprar gás ou ter residência apropriada.
“Através de uma casa, de alimentação e de salubridade que a gente tem força para lutar por outros direitos”, disse Monteiro.
A secretária de Avaliação, Gestão da Informação e Cadastro Único do Ministério do Desenvolvimento, Letícia Bartholo de Oliveira e Silva, também considera a fome um problema multidimensional. Ela explicou como o Cadastro Único (CadÚnico), instrumento que une de diversos cadastros de programas sociais do governo federal, analisa o perfil das pessoas mais pobres e ajuda a mapear os problemas sociais. Letícia mencionou ações do governo federal no âmbito do CadÚnico, para Paim, esse era um dos objetivos do debate.
A diretora da Secretaria de Transparência do Senado, Elga Mara Teixeira Lopes, conduz o setor na Casa responsável pelo Instituto DataSenado. Elga explicou que a falta de dados frequentes e de responsabilidade de líderes políticos quanto a fome no Brasil, especialmente durante as eleições de 2022, a motivou a solicitar os debates. Além disso, o DataSenado está realizando pesquisa sobre o tema e espera atualizá-la a cada dois anos.
“Estamos fazendo pesquisa qualitativa na modalidade de pesquisa de profundidade, ouvindo principalmente pessoal que trabalha nos CRAs [Centro de Referência de Assistência Social] e agentes de saúde, que estão na ponta, na busca ativa por quem passa a fome. Em junho vamos apresentar esse trabalho”, disse Elga.
A diretora estava acompanhada de Marcos Ruben de Oliveira, coordenador do DataSenado. O Instituto existe há 20 anos, faz pesquisa de opinião e fornece aos senadores dados e análises acerca de políticas públicas.
Fonte: Agência Senado