Do abismo à renovação da esperança, Elisa Lucinda considera que o Brasil viveu um inferno durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Em contrapartida, atualmente sente-se de “volta ao colo da democracia” com o governo Lula (PT). Em entrevista com a poetisa, escritora, ativista e cantora brasileira, ela versou sobre literatura, racismo no Brasil e ferramentas de fomento à cultura do país. “A Lei Rouanet precisa ser compreendida pela população”, afirmou. Para a artista, a educação, o conhecimento e a fala são ferramentas indispensáveis no combate ao racismo que ainda se faz presente na nossa sociedade.
Há diversas formas de expressar a linguagem. Entre elas, a escrita. Para Elisa, algumas de suas referências passam por importantes escritoras brasileiras. “Eu vou com os escritores, os pensadores. Vou com Conceição Evaristo, eu vou com Eliana Alves Cruz, eu vou com Carolina Maria de Jesus”, disse.
Além da literatura presente na sua vida, Elisa também vive Marlene na novela da Rede Globo “Vai na fé”. A personagem sofre com uma condição em que a perda de cabelo constante resulta em alopecia, um distúrbio causado pela interrupção do crescimento, e pode acontecer em decorrência do uso excessivo de tratamentos de beleza com produtos químicos que agridem o couro cabeludo, como alisamentos.
A atriz relaciona a experiência com a personagem às feridas silenciosas causadas pela sociedade aos corpos das pessoas negras. “A experiência de se referir a uma cabeça ferida, que a cabeça negra é uma cabeça ferida, por ferro quente, pente quente, alisamentos com químicas pesadas, é você representar essa cabeça ferida e silenciosa”.
Apesar de o dia 13 de maio de 1888 ser conhecido como data da abolição da escravatura no Brasil, esse marco gera discordâncias. Afinal, o chamado “fim” da escravidão gerou sérios impactos à população negra, que representa mais de 50% dos brasileiros, até os dias atuais.
A escritora Conceição Evaristo, referência na luta antirracista para Elisa Lucinda, atribui o atraso na publicação de seus primeiros textos literários, que veio acontecer apenas no ano de 2003, ao racismo que é refletido no campo da literatura brasileira. E esse é só um exemplo de vários acometidos pela invisibilização dos negros no Brasil.
O racismo, que deveria ser firmemente combatido pelos presidentes da República, ganhou força com o último ex-presidente do Brasil, Jair Bolsonaro. “Que dívida? Eu nunca escravizei ninguém na minha vida […] O negro não é melhor do que eu, e nem sou melhor do que o negro”, disse em 2017, enquanto pré-candidato ao planalto.
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Sobre os últimos anos no país, Elisa Lucinda avalia como um “inferno”. “Esse foi um mau passo que o Brasil deu. Um grande erro de interpretação da realidade. Foi o nosso inferno. Mas serviu para revelar uma podridão que tem que ser resolvida. Uma podridão da alma brasileira. Ele ter seguidores é assustador”, desabafa.
Nas últimas eleições presidenciais, Jair Bolsonaro foi derrotado nas urnas. A vitória foi do atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, que possui histórico na defesa de pautas antirracistas, fato que deixou parcela dos brasileiros com a esperança renovada quanto ao avanço da luta. Elisa avalia os primeiros meses do Governo Lula como uma “volta ao colo da democracia”.
“Eu sinto que voltei para o colo da democracia e tem alguém cuidando com uma equipe foda. Acordei, Silvio Almeida é de Direitos Humanos; acordei, Sônia Guajajara é ministra dos Povos Indígenas do Brasil. Ah, querida! E Anielle, entendeu? Ah, tou adorando”, comemora.
Já no primeiro mês do seu terceiro mandato, o chefe de Estado aprovou R$ 610 milhões em projetos para a Lei Rouanet, Lei Federal de Incentivo à Cultura. Elisa avalia que a Lei Rouanet precisa ser melhor compreendida pela população.
“A Lei Rouanet precisa ser compreendida pela população. É uma lei muito importante. O Estado não dá o dinheiro pra gente, a gente tem autorização para captar. Porque o dinheiro que seria do imposto, parte do dinheiro que uma coca-cola vai pagar de imposto, ela vai dar para incentivar um trabalho cultural. E esse trabalho tem contrapartidas, tem que fazer coisas de graça para a população, não pode cobrar caro, o ingresso… é um imposto que vai ter que reverter para a população. Quantas vezes você aprova um projeto, mas não consegue captar? Ninguém te dá o dinheiro? Então eu acho que a lei Rouanet é um fomento para a cultura”, finaliza Elisa Lucinda.