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Cultura -
As nuances da xilogravura moderna no trabalho de artistas de João Pessoa, na Paraíba
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A xilogravura, prática da impressão de imagens talhadas em madeira, é uma forma de expressão artística muito presente na cultura brasileira, com forte presença no Nordeste do país. A sua execução consiste em pintar painéis ao preencher com tinta, geralmente preta, as partes elevadas dos entalhes traçados na madeira, deixando os vãos em branco, gerando assim um contraste que forma as figuras.

Mas se engana quem pensa que a arte se encerra no talhar da madeira. Muitos artistas exprimem suas peças em quadros, peças de roupa e até na pele, através das tatuagens, como é o caso de profissionais da área que residem em João Pessoa e transformaram esta arte em fonte renda. A ligação territorial e de identidade da técnica com o Nordeste também atrai diversos admiradores que buscam valorizar a xilogravura, reforçar suas origens ou guardar uma lembrança de onde veio. 

Do tradicional ao contemporâneo: a arte estampa cordéis, roupas, decora casas e pode virar até tatuagem (Foto: Carol Sales/Reprodução)
A vida imita a arte?

“A arte representa tudo que eu vejo e que recebo do mundo”, disse o artista e xilogravurista, Leonardo de Farias, ao refletir sobre o sentido da arte na vida dele. “Acho que ela está presente desde o momento que acordo até quando vou dormir, de muitas formas”. E uma coisa é fato: Leonardo respira e vive a arte desde criança, por influência direta do pai, que desenhava e pintava.

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Idealizador da marca “Mané Gostoso Neto”, que produz quadros em xilogravura,  o artista leva a frase do poeta Patativa do Assaré como mantra: “Pra todo canto que eu olho, eu vejo um verso se bulindo”. Aprendeu xilogravura de uma maneira quase autodidata vendo vídeos no youtube, em contato com outros artistas e lendo alguns livros. E o maior segredo, Leonardo também revela: ser bom observador sempre o fez se sentir inspirado por tudo e ele leva esta inspiração aos cordéis e xilogravuras que produz. 

Processo criativo

“Desde 2002, trabalho com cordel que tem relação com a xilogravura, sempre desenhei, ao fazer capas de cordéis, nesse universo.” E lá se vão mais de 10 anos na arte, mas a grande consagração veio em 2018, quando percebeu que não trabalhava com a xilogravura matriz, e, sim, com a pirogravura, o desenho digital. Foi quando veio o insight da xilogravura “propriamente dita”. 

E um fato curioso: “A melhor parte do meu processo criativo é que, de certa forma, não tenho nenhum processo criativo”, ele revela. “Às vezes eu tô parado, quero fazer alguma coisa, começo a desenhar e na maioria das vezes, eu não tenho ideia do que vou fazer, mas começo a riscar e por fim, sai alguma coisa”.

Interpretações

Muitos artistas gostam de aplicar simbolismos diretos às obras que fazem. No caso de Leonardo, ele pratica a feitura orgânica das obras, inicia sem saber o resultado final. Assim, ele comenta: “Dificilmente já faço algo pensado ou interpreto algo. O que mais adoro é ver as múltiplas interpretações que as pessoas fazem do meu desenho”. 

Raissa Jardim, comenta que gosta de imaginar os significados e realizar interpretações próprias das obras finais. Isso se tornou até uma diversão para o casal. “O que Leonardo gosta muito é de ouvir a minha interpretação, porque a tudo dou um significado, ao contrário dele”.

Ela ainda fala que percebe um estilo único no marido. “Ele sempre desenhou o que os amigos chamavam de alienígenas, que eram figuras com cabeças grandes, olhos grandes que ele continua fazendo. Isso o levou como artista a aprimorar ainda mais o traço. Ele chegou em uma assinatura que qualquer pessoa olha e sabe que o traço é dele”. Quando se vê e se conhece uma obra de Mané Gostoso Neto, se entende e se sabe que é a obra de Mané Gostoso Neto.

O artista considera que tudo que faz é bem diferente, as figuras peculiares que incendeiam o coração de Raíssa, são de fato, únicas, e fazem valer a máxima de que: “A arte existe porque a vida não basta”, do poeta Ferreira Gullar. Que se refaz nas palavras de Raíssa: “A arte é muito para os inconformados com a realidade, então a gente tem a necessidade de criar algo novo, a partir da nossa interpretação, algo que queríamos que existisse”.

Histórias a contar e a talhar

A esposa, que não se considera artista, mas tem arte no sangue, é apaixonada por moda e também faz a xilogravura acontecer fora das peças em madeira. Juntos, já idealizaram estamparias em peças de roupa. A produção de Mané Gostoso Neto é feita em casa. Em um ateliê familiar, Leonardo passa algumas horas da semana imerso em madeira, papel e tinta.

Inspirações

Ninguém faz arte sozinho e Leonardo não se acompanha apenas da esposa. Sempre é possível beber e se inspirar em alguma fonte. No caso de Leonardo, isso é um fato consumado. Ele nos conta que adora ter referência e acompanhar o trabalho de outros artistas. Cita Marcelo Soares, Ciro Fernandes, o Samico, a Dina e o José Costa Leite.

Obras do artista Gilvan Samico em exposição na mostra ‘Armorial 50 anos’, em Campina Grande (Foto: Vanessa Costa/Reprodução)
O lapidar da pele

A xilogravura pode virar estampa de roupa, ilustrar cordel, decorar casas e também pode se transformar em tatuagem. A tatuadora Layla Gabrielle, de 30 anos, entrega aos seus clientes desenhos autorais inspirados nos traços da xilogravura e com visuais relacionados ao Nordeste brasileiro. 

Layla tira seu sustento da arte há sete anos, navegando por várias técnicas e trabalhos. Além das tatuagens, ela faz ilustração infantil, trabalha com aquarela e pintura. ‘’Eu gosto de testar tudo que tenho ao meu dispor. A arte sempre me atravessou profundamente e sempre fez parte da minha vida, tanto que a minha formação acadêmica é em artes’’, disse.

A tatuadora aprendeu a fazer xilogravura na UFPB, quando teve a oportunidade de explorar gravuras em vários materiais, como borracha, madeira e até metal. Mas misturar xilogravura com tatuagem não foi uma ideia da jovem, que foi influenciada por outros tatuadores que utilizam técnicas ainda mais complexas para gravar uma imagem na pele do cliente. Tatuadores xilogravuristas tradicionais costumam talhar a gravura na madeira ou outro material e fazem a impressão do desenho direto na pele, semelhante ao processo comum da arte. 

Ao contrário deles, Layla faz um meio termo: ela adapta a sua ilustração para que lembre uma xilogravura. A tatuadora começou fazendo a imagem com lápis grafite, estudando como se comportava a estética, já que não tinha os materiais necessários para fazer a gravura e a impressão na pele. Por não talhar a gravura na madeira ou utilizar um processo semelhante, não se considera uma xilogravurista, mas sim uma artista multidisciplinar que trabalha com ilustração.

“Sempre achei muito interessante como a gente podia explorar uma estética nordestina, de vários símbolos e insígnias, fui me instigando a trabalhar com isso”, afirma.

Os desenhos da tatuadora são autorais, influenciados não só pelos estudos artísticos dela, mas também sobre percepções de tatuagem tradicionais, que vão desde pensar o encaixe no corpo até a durabilidade na pele. Outro ponto importante também é o gosto do cliente e como ele se sente visualmente representado.  

Layla Gabrielle explica que pelo menos uma vez por mês trabalha com clientes que querem transformar uma história ou sentimento em tatuagem. Essa relação estética com o Nordeste é muito importante. Geralmente, tem a ver com pessoas que saem do interior do estado, moram no Nordeste, mas precisam ir embora ou que perdeu um parente. 

“As pessoas querem gravar na pele: uma coisa que atravessou suas vidas, uma pessoa importante, uma história massa”.

O jornalista Iago Sarinho, cliente de Layla Gabrielle, afirma que decidiu tatuar uma imagem semelhante a uma xilogravura porque acredita que os traços estão diretamente ligados a sua identidade de nordestino e paraibano. “Esteticamente me agrada muito. Eu acho muito bonito o estilo, a forma e a força dos traços”, afirma o jornalista.

Ele entende que o processo não é semelhante ao tradicional, que envolve a transferência da gravura talhada na madeira para a pele, mas, ainda assim, gosta muito da tatuagem. Para ele, é importante como a ilustração tem uma beleza estética e está carregada de significados que refletem sua expressão regional. 

O estudo da arte e a arte do estudo

“Sempre levei o ofício da gravura em forma de oficinas para as escolas que trabalho, mas ao invés de utilizar a madeira ou o emborrachado, utilizo matriz em isopor”, disse a artista e professora de Artes formada pela UFPB, Vanessa Dias. Ela informa que através da xilogravura é possível realizar outros métodos, além do uso da madeira, como a litogravura que é a matriz feita em uma pedra e um pigmento oleoso que se transfere para o papel. 

Também explica que outra forma é a linoleogravura, na qual a matriz é produzida em um emborrachado e em uma placa de cobre arranhada com uma ponta seca. Por fim, também há a serigrafia, considerada um dos tipos de gravura e gera impressões através de uma só matriz.

A professora comenta que o seu primeiro contato também aconteceu durante a graduação e que se encantou pela produção da xilogravura: “Me apaixonei pelo processo, a possibilidade de produzir uma escultura entalhada e que, ao mesmo tempo, fizesse várias impressões em série de uma mesma matriz”. 

E assim, ela seguiu produzindo gravuras, os materiais que são mais utilizados por Vanessa Dias, são a xilo e o linóleo, que possibilitam a produção das xilogravuras e das linoleogravuras.

Sobre o aprender e ensinar: outros horizontes

A artista faz questão de ensinar aos seus alunos o processo da gravura, através de oficinas. Ela faz uso de materiais recicláveis, como o isopor. A partir disso, transforma bases de bolo de isopor ou até os pratos de queijo fatiado. Com as capacitações, os alunos passam a desenhar com caneta esferográfica e gravar a matriz.

“Nesse material, os alunos não precisam entrar em contato com materiais cortantes da gravura, como as goivas ou estiletes que utilizamos para fazer os sulcos na madeira ou no emborrachado”, explica a professora. 

Ela cita, ainda, que a gravura é uma das técnicas mais democráticas das artes visuais, pelo fato de ser acessível em escolas públicas ou particulares, já que os materiais são mais baratos. Com algumas bases de isopor, rolinhos de espuma, tintas guache e folhas de papel, é possível realizar uma oficina de gravura.

Fonte: Portal Comunica UFPB

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