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Próxima parada: transporte gratuito atravessa o direito à cidade e põe municípios no caminho da equidade social
Laura de Andrade - sob supervisão de Felipe Gesteira
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De manhã cedo, antes de uma cidade despertar, os trabalhadores que movimentam a economia local já estão nos transportes urbanos, rumo aos seus respectivos serviços. Dentro do transporte coletivo certamente tem um cidadão que sonha em utilizar um transporte público gratuito, de qualidade, limpo e de fácil acesso para se locomover. Mas na maioria das cidades brasileiras, esse sistema, de responsabilidade de cada prefeitura, mantém uma relação de concessão com empresas privadas onde quem paga parte da tarifa são os próprios usuários. Até que ponto a população, que utiliza e, grande parcela, depende do serviço, se beneficia com este modelo? A promoção de um desenvolvimento sustentável com justiça social deve ser a prioridade da administração pública.

Vermelhinhos: Maricá possui transporte público em circulação por toda a cidade com tarifa zero (Foto: Reprodução/Prefeitura de Maricá)

Assegurado pela Constituição Federal de 1988, todo brasileiro tem direito à cidade. A Tarifa Zero ou o Passe Livre é um modelo de política pública que pretende garantir à população o acesso ao transporte. Tem como particularidade ser gratuito, com financiamento do orçamento do próprio município e origem variante dos recursos aplicados. O debate na defesa da Tarifa Zero ou o Passe Livre dos transportes urbanos, que permite ao morador ou visitante o trânsito gratuito dentro de um local, também é uma garantia de vivência da cidade, de um direito. É uma inclusão que possibilita ao cidadão usufruir dos espaços com pertencimento, e está em debate na Câmara dos Deputados.

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Heloísa Holanda, 24, é estudante de Jornalismo e reside atualmente na cidade de João Pessoa, na Paraíba. Aos sábados, a Prefeitura promove um evento aberto à população com apresentação de músicos tocando choro e samba instrumental, o Sabadinho Bom.

Heloísa conta que em uma das edições do evento, que é gratuito, não conseguiu comparecer porque não tinha verba para a sua locomoção, e considera escassa a quantidade de ônibus em circulação durante os fins de semana na cidade. O transporte coletivo de João Pessoa funciona sob regime de concessão pública. Atualmente, o valor da tarifa integral é de R$ 4,70. Ou seja, o direito de curtir a cidade onde a estudante vive foi impedido pela dificuldade no deslocamento. O relato é exemplo de que promover a gratuidade de um evento pode ser legal para uns, mas não é justo com toda a população.

“Deixei de ir para o Sabadinho Bom por falta de transporte público na ida, e principalmente na volta! O espaçamento entre um ônibus e outro é muito grande, isso quando tem no horário”, disse. Perguntada sobre o que sentiu no dia, ela respondeu: “Sentimento de tristeza por não conseguir participar de um momento de lazer no final de semana, pagar Uber nem sempre é viável, ainda mais sendo estagiária, o dinheiro é todo para me manter na cidade”, lamentou.

Acessível a todos

Por outro lado, no município de Maricá, no Rio de Janeiro, a estudante de Educação Física, Rosângela Monteiro, não enfrenta esse tipo de situação. É que lá a cidade dispõe de transporte público gratuito, onde os ônibus são conhecidos como “vermelhinhos”. Eventos gratuitos promovidos pela cidade, como shows ou filmes no cinema, são facilmente acessados por ela, e de forma gratuita do início ao fim. “A maior facilidade é poder me deslocar pela cidade, e sem pagar por isso”, disse Rosângela. Antes da gratuidade, ela conta que os táxis operavam até as 20h, os ônibus quebravam, eram enferrujados e “só rodavam quando queriam”.

O gestor da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos, Marcos Bicalho, defende que o transporte público coletivo urbano é fundamental para proporcionar o acesso dos cidadãos às atividades, serviços e facilidades urbanas, principalmente para a grande parcela da população que não possui outras alternativas para se deslocar pela cidade. Para ele, é importante a criação de programas sociais que garantam esse acesso. “Além de atender todo o espaço urbano esse serviço deve ser acessível, do ponto de vista econômico, a todos aqueles que dele necessitam”, argumenta.

(Foto: Rosângela Monteiro/Arquivo Pessoal)

Legislativo busca solucionar ineficiência das cidades

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) é uma alteração pontual no texto da constituição de um Estado. Neste caso, o Brasil. Em andamento na Câmara dos Deputados, tramitam a PEC 25/2023 de autoria da deputada Luiza Erundina (PT-SP), e o Projeto de Lei (PL) de número 1280/2023, do deputado Jilmar Tatto (PT-SP).  

A primeira aguarda despacho do Presidente da Casa. O segundo, foi apensado ao PL 8960/2017. Em comum, eles têm a pretensão de instituir o um programa de Tarifa Zero para transportes públicos em circulação em áreas urbanas, ou seja, a criação de um sistema único de mobilidade.

A demanda reprimida dos transportes é facilmente percebida na hora do rush, ou seja, a hora em que muitos trabalhadores voltam para casa e o trânsito gera o congestionamento das vias. É inegável que parte desse problema é uma consequência dos automóveis que se aglomeram. Talvez, se estivessem distribuídos em ônibus, não fosse um problema. Outra grande questão enfrentada entre aqueles que pagam para utilizar o serviço é a quantidade exorbitante de pessoas dentro de uma unidade deste tipo de modal, que pode ser relacionada à não fiscalização e pouco investimento no serviço, ainda que seja o meio de transporte mais utilizado pelos brasileiros.

“O caminho para a recuperação desse serviço público essencial para a vida nas cidades passa por uma total reformulação do seu marco legal, com destaque para a forma de financiamento da atividade” defende Bicalho.

Na maioria das cidades brasileiras, o passageiro paga caro e utiliza um transporte antigo, com mais pessoas do que a lotação máxima prevê e, em alguns casos, com a presença de até de baratas. O sucateamento segue na via contrária ao incentivo na utilização de um modal que colaboraria com a liberação das vias congestionadas. O transporte público passa a ser utilizado por falta de outras opções ou opções mais caras de locomoção, e não pela sua eficiência.

“É preciso definir e implantar fontes de recursos extra-tarifários para complementar os custos dos serviços, possibilitando assim preços mais baixos para os usuários e melhoria na qualidade do transporte”, acredita Bicalho.

Pertencimento e equidade: vermelhinhos em direção ao futuro

Na sinalização urbana, a cor vermelha do sinal de trânsito serve para indicar que o motorista pare. Por outro lado, a cor predominante dos ônibus de Maricá simboliza o contrário: o avanço do transporte público municipal. Em circulação por toda a cidade, os ônibus, que são gratuitos, representam não só uma opção de transporte, como também a garantia constitucional do direito à mobilidade sendo colocada em prática.

A cidade foi o primeiro município brasileiro com mais de 100 mil habitantes a oferecer ônibus de graça para toda a população. A rota dos ônibus inclui toda a cidade e os seus distritos. E a utilização não fica restrita aos moradores da região. Visitantes que estejam em Maricá também podem usufruir do serviço de forma 100% gratuita, sem precisar, sequer, realizar cadastro. 

“Os ônibus gratuitos garantem cidadania, resgatam a sensação de pertencimento do morador em relação ao município e são uma forma de promoção da equidade social, ao permitir que pessoas mais pobres também se desloquem pela cidade e acessem os serviços públicos, o comércio, a cultura e o lazer em áreas distantes de onde moram”, informa a Prefeitura de Maricá.

A Empresa Pública de Transportes (EPT), vinculada à Prefeitura de Maricá, informa que a cidade conta com 125 ônibus em sua frota. São 39 linhas atuando diariamente de Jaconé à Itaipuaçu, em mais de 1250 viagens, percorrendo aproximadamente 1,3 milhão em km/mês. Toda essa estrutura contabiliza mensalmente mais de 3,5 milhões de deslocamentos. 

Para ofertar o serviço, a EPT gasta cerca de R$ 12 milhões mensais, o que representou um investimento em 2022 de 2,5% do orçamento do município aplicado na Tarifa Zero.

“Com a gratuidade da passagem, a demanda aumentou em 150% no que se refere à quantidade de deslocamentos/usuários mensais. Isso exigiu a criação de novas linhas e a ampliação da frota de ônibus. Foram contabilizados 2.127.636 deslocamentos nos anos de 2015 e 2016; 2.814.804 em 2017; 4.686.072 em 2018; 5.221.452 em 2019; 5.366.436 em 2020; 21.107.064 em 2021 e 36.373.626 em 2022”, informou a prefeitura de Maricá.

Com informações de Prefeitura de Maricá

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