“Versão moderna do vampirismo”, disse o vice-presidente do Senado Federal, senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), ao se posicionar duramente contrário à Proposta de Emenda à Constituição (PEC 10/2022) que permite a comercialização de sangue humano para se extrair o plasma, que é um de seus derivados. A PEC tramita na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e tem como relatora a senadora Daniella Ribeiro (PSD-PB).
A matéria, cujo texto original, de autoria do Senador Nelsinho Trad (PSD-MS), não previa essa comercialização, passou a prever após ser modificada pela relatoria. Ela estava pautada na reunião da CCJ do último dia 30 de agosto e teve a sua votação adiada diante da polêmica que vem causando. Segundo Veneziano, a proposta é “apavorante e destrutiva” e um “assunto delicado e sério”.
“Quando vem à minha cabeça comercializar isso, decerto, não seremos nós, como acertadamente disse o senador Marcelo Castro, que somos privilegiados, que iremos a um banco de sangue e receberemos uma quantia para que daquele sangue extraído se extraia também o plasma. Os senhores já imaginaram quais as consequências a serem, a partir deste momento, geradas? Aquilo que é desmonte de carro será desmonte humano, porque aí vai sangue, vai coração, vai tecido, e isso recairá sobre quem menos pode”, disse Veneziano, ao defender um aprofundamento do debate e o adiamento da votação.Veneziano disse que a proposta, a pretexto de atualizar norma da Constituição de 1988, faz regredir dezenas de anos de avanços conseguidos no campo de aplicação dos hemoderivados. “Esse assunto foi amplamente debatido pela Constituinte de 1987. Os constituintes rejeitaram, de forma veemente, práticas mercantilistas relacionadas à saúde. Do debate que mobilizou dezenas de entidades civis organizadas do setor emergiu tanto a declaração da saúde como um dos direitos sociais (no Art. 6º) quanto à vedação de todo tipo de comercialização de órgãos, tecidos e substâncias humanas, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados (Art. 199, §4º)”.
Ele lembrou que os trechos constitucionais e a legislação dali derivada, como a Lei 10.205, de 2001 (Lei do Sangue), anteciparam até mesmo a recomendação da Organização Mundial de Saúde, adotada em 2010, para que seus países membros desenvolvessem sistemas nacionais de sangue, componentes e derivados baseados em doações voluntárias e não remuneradas, buscando situação de autossuficiência.
O vice-presidente do Senado destacou que o assunto foi debatido em Audiência Pública no Senado Federal, realizada em abril, quando um representante do Ministério da Saúde apresentou todas as objeções técnicas à modificação pretendida. “A permissão para a participação de entidades privadas nas atividades de coleta e produção de hemoderivados, escrita de tal maneira que permite, inclusive, a volta da venda de sangue pelos doadores, reinstitui no país a situação pré-constitucional”.
Veneziano disse que a proposta destrói todo o sistema atual de atendimento às necessidades do SUS, incluída a Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia, a Hemobrás. “O setor público dificilmente irá conseguir concorrer com os compradores do sangue da população, versão moderna de vampirismo, inviabilizando o funcionamento da empresa criada como coroamento do processo de autonomia baseada na doação voluntária altruísta, perdendo os escassos recursos públicos já investidos”.A mudança na PEC, se aprovada, argumentou o senador paraibano, levará a população brasileira a correr o risco de sofrer uma maior escassez e aumento de preço dos produtos hemoderivados, uma vez que tais produtos tenderão a ser direcionados ao mercado externo, onde as faixas de lucro serão maiores. “Também é do conhecimento geral que práticas sanitárias quando confrontadas com a necessidade de lucro de empresas privadas tendem a ser ‘flexibilizadas’, aumentando o risco para aqueles que dependem de hemoderivados para continuarem vivos e produtivos”.
Veneziano alertou que o risco atingirá também os doadores remunerados, que muitas vezes são levados a mentir sobre infecções perigosas ou não observar os períodos de vedação de doações, movidos, muitas das vezes pela necessidade de geração imediata de renda. “Corremos também o risco de ver desnacionalizado o setor de hemoterápicos, transferido para controle de grupos multinacionais privados que, certamente, não nos terão como prioridade”.O vice-presidente do Senado concluiu a fala afirmando que sua posição é duramente contrária à PEC, concordando com a orientação do Ministério da Saúde. “Deixemos os vampiros só nas telas dos cinemas”, finalizou.Fonte: Assessoria de imprensa