O cantor, compositor e imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL) Gilberto Gil foi o grande homenageado da 8ª Festa Literária Internacional de Maricá (Flim), que acontece até dia 1º de outubro na Praça dos Gaviões, em Itaipuaçu. Na sexta-feira (22), o público lotou a principal arena de debates do evento que recebeu o nome do artista para acompanhar as homenagens. Gil foi recebido pelo prefeito Fabiano Horta (PT), ganhou um cartão digital da moeda Mumbuca e presentes da prefeitura.
A estudante Ana Cláudia Santana de Morais, de 14 anos, do 9º do Centro de Apoio Integral à Criança e ao Adolescente (Caic) Elomir Silva, vencedora do concurso literário na rede municipal de ensino, leu a redação sobre multiculturalidade, tema da Flim, e recebeu das mãos de Gil e do prefeito o prêmio de 2 mil mumbucas. O cantor também presenteou a jovem com um autógrafo escrito na redação vencedora.
Muito aplaudido pelo público, Gil retribuiu o carinho cantando dois de seus grandes sucessos – “Andar com Fé” e “Toda Menina Baiana” – e foi acompanhado em coro por milhares de vozes. Ele agradeceu as homenagens e falou sobre a festa literária. “A Flim é o símbolo da preocupação do gestor público com a cidade. Que essa festa seja um incentivo para vocês compreenderem cada vez mais a importância de uma vida cultural”, declarou.
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Fabiano Horta ressaltou que Gilberto Gil ajudou a construir a identidade cultural brasileira sendo parte de um movimento do tropicalismo que fez o Brasil construir a sua identidade. Ele reforçou que a Flim nasce, enquanto fomentadora da literatura, arte e abstração, do processo de formação da educação de Maricá.
“Nos últimos oito anos, a Flim fecunda no jovem maricaense a percepção do mundo profundo da leitura e traz hoje a imortalidade de Gil presente aqui para simbolizar com toda força que, é na contradição humana, onde mora a humanidade. Esse é o sentido da Flim, desse alfinete cravado no território de Maricá, mas que é alma gritante no Brasil porque nós, como Gil, andamos com fé”, declarou o prefeito.
A Flim é uma realização da Prefeitura de Maricá, por meio da Secretaria de Educação. São 13 dias, das 8h às 20h, com uma extensa programação que inclui palestras, debates, shows e rodas de conversa, com escritores, convidados, professores, filósofos e chefs para um bate-papo com o público.
Roda de conversa sobre racismo
Após a homenagem, os escritores Nei Lopes, Estevão Ribeiro e Eliana Alves debateram sobre as diversas formas de racismo muito presentes na sociedade, com mediação do secretário de Participação Popular e Direitos Humanos, João Carlos Birigu. Nei Lopes tem mais de 30 livros publicados e é um estudioso das culturas africana e brasileira. Autor de músicas gravadas por Zeca Pagodinho, Alcione, Clara Nunes e Beth Carvalho falou sobre a fronteira entre o samba e a Música Popular Brasileira (MPB).
“Na década de 1970, o samba não era considerado MPB e havia um preconceito muito grande com os sambas feitos nas escolas de samba. A MPB era um tipo de criação musical influenciada pelo estrangeirismo com a música pop da época. Isso mudou depois que me tornei parceiro do Ivan Lins e do Moacir Santos e passei a escrever músicas que foram gravadas por Gilberto Gil, João Bosco, Milton Nascimento, Djavan e Ed Motta. O Moacir ficou encantado com o trabalho e disse que foi a primeira vez em que se entendeu com um negro. Essa foi a primeira grande vitória da minha vida profissional e aconteceu no ano 2000”, contou Nei.
A escritora preta Eliana Alves, autora do livro infantil Desenho do Mundo, hoje com 57 anos, escreveu esta obra quando tinha 18 anos. Ela comentou que tinha um sentimento de solidão porque olhava ao redor e nos lugares que frequentava – escola, igreja, bar, clube – e era uma das poucas pessoas da sua cor nesses espaços.
“Era eu e mais uma pessoa ali, outra acolá. E esse sentimento de solidão vai causando um dano psicológico e emocional. Então foi pensando nesse sentimento que escrevi esse livro que é a história de um pontinho preto que vive num mundo branco e ele acha que está tudo bem. Até que aparece uma amiga da mesma cor e ele percebe o quanto estava sozinho”, explicou a escritora. “A questão da cor vem desde muito cedo e temos um trabalho muito grande com nossos alunos. A gente precisa dar esperança de um futuro e com a literatura ela pode brincar e dialogar com alguma coisa que é muito da infância que é a capacidade de sonhar, de inventar o mundo. Essa capacidade de fabulação que a criança tem precisa ser incentivada”, completou.
O capixaba Estevão Ribeiro é escritor, roteirista audiovisual e artista gráfico com mais de 23 títulos, entre histórias em quadrinhos, romances e livros infantis, que somam mais de 200 mil livros vendidos. Nessa roda de conversa ele falou sobre a produção das histórias em quadrinhos onde fala sobre o racismo, chamando a atenção daqueles que ignoram essa questão da sociedade. “Na minha infância, existia uma personagem do folclore brasileiro chamada de Boneca de Piche e imaginem quantas pessoas foram chamadas de Boneca de Piche porque liam a Emília falando isso com Dona Benta. Então temos os nossos compromissos. Fiz uma tirinha para mostrar a realidade de pessoas pretas quando são abordadas por policiais. Uma menina é apresentada ao seu tio que é policial e levanta os braços imediatamente. Ao explicar que ele é seu tio, ela diz que levantou as mãos para tomar a benção. A gente precisa fazer esse tipo de crítica”, afirmou.
O autor que, assim como seus personagens é preto, ressaltou que é necessário falar do racismo com as crianças de 7, 8 anos de idade porque eles vivenciam isso diariamente. “A criança branca é protegida no mundo e a negra é exposta. A gente educa essas pessoas a identificarem o que pode acontecer com elas”, acrescentou Estevão, que orientou os professores presentes na plateia a darem voz às crianças pretas nas salas de aula. “As crianças brancas são preparadas pelos pais a ocuparem os lugares no mundo. É comum ver mais crianças brancas participando, falando, julgando. Já uma família preta sabe que educação é uma conquista muito cara, alimentação na escola é algo muito raro. Então uma criança preta é incentivada em casa a não se envolver em problemas para não sair da escola. Logo essa criança não pergunta, não participa, fica calada e não tem voz. Então vocês, educadores, têm a missão de gerenciar a voz porque será o único espaço que elas terão para se liberar”, finalizou.
Fonte: Prefeitura de Maricá