A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.202), estabeleceu a seguinte tese: “No crime de estupro de vulnerável, é possível a aplicação da fração máxima de majoração prevista no artigo 71, caput, do Código Penal, ainda que não haja a delimitação precisa do número de atos sexuais praticados, desde que o longo período de tempo e a recorrência das condutas permita concluir que houve sete ou mais repetições”.
O recurso julgado pelo colegiado tratava da situação de uma menor que sofreu abusos sexuais cometidos pelo padrasto, de forma frequente e ininterrupta, durante quatro anos. A relatora foi a ministra Laurita Vaz, que se aposentou em 19 de outubro, dois dias após o julgamento.
A ministra lembrou que, segundo a jurisprudência do STJ, diante da prática de apenas duas condutas em continuidade delitiva, deve-se aplicar o aumento mínimo de um sexto da pena; a partir daí, o aumento deve ser gradativo, conforme o número de ocorrências, até o máximo de dois terços previsto no Código Penal, para o caso de sete crimes ou mais.
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Porém, de acordo com a relatora, “a adoção do critério referente ao número de condutas praticadas suscita questões específicas nos crimes de natureza sexual, especialmente no delito de estupro de vulnerável, em razão do triste contexto fático que frequentemente se constata nesses crimes”.
Citando dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, Laurita Vaz destacou que, dos quase 57 mil casos de estupro de vulnerável registrados em 2022, 72,2% ocorreram na própria residência da vítima, e em 71,5% desses crimes o autor foi um familiar.
A ministra comentou que, nesse tipo de crime, a proximidade entre o autor e a vítima, além da reduzida capacidade de reação por parte desta última, favorecem a repetição do delito e dificultam a quantificação precisa das ocorrências.
“Nessas hipóteses, a vítima, completamente subjugada e objetificada, não possui sequer condições de quantificar quantas vezes foi violentada. A violência contra ela deixou de ser um fato extraordinário, convertendo-se no modo cotidiano de vida que lhe foi imposto”, declarou a magistrada.
A defesa alegou que seria imprescindível a indicação, por parte da acusação, das datas em que os crimes teriam ocorrido. Para a relatora no STJ, no entanto, é dispensável a delimitação específica de cada uma das condutas sexuais praticadas, sendo possível que se constate o elevado número de crimes com base no longo período em que ocorreram. Assim, a fixação do aumento de pena pela continuidade delitiva deve levar em consideração a frequência e o tempo ao longo do qual a violência foi cometida.
“A torpeza do agressor, que submeteu a vítima a abusos sexuais tão recorrentes e constantes ao ponto de tornar impossível determinar o número exato de suas condutas, evidentemente não pode ser invocada para se pleitear uma majoração menor na aplicação da continuidade delitiva”, afirmou a ministra.
Em seu voto, ela mencionou que já há precedentes nos quais ambas as turmas de direito penal do STJ consideraram dispensável a indicação do número exato de condutas cometidas para a aplicação do aumento máximo de dois terços da pena, a título de continuidade delitiva, no crime de estupro de vulnerável praticado por longo período.
Com base nessa compreensão expressa pelos órgãos fracionários, Laurita Vaz concluiu que é “nítida” a possibilidade de adoção da fração máxima de aumento prevista no artigo 71, caput, do Código Penal para os crimes de estupro de vulnerável, mesmo quando não houver a delimitação exata do número de atos sexuais praticados.
Fonte: STJ