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Cultura -
Folia para uns, desrespeito para outros; movimento “travesti não é fantasia” propõe debate no Carnaval
Termômetro da Política
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Todos os anos é comum perceber homens cisgêneros, aqueles que se identificam com o gênero de quando nasceram, se fantasiarem de travesti durante o período carnavalesco. Ano após ano, nota-se um incômodo com a ideia. Para muitos, o ato é violento. Em João Pessoa, um dos maiores blocos do Folia de Rua, As Virgens de Tambaú, se sustenta nessa temática. Para o presidente e fundador do bloco, Euclides Menezes, o desfile preza pelo respeito todos os anos. Mas o que simboliza o “respeito” para uns, pode não significar para outros.

“Um homem que tem a capacidade de se travestir para foliar na rua também tem que ser homem para entender que ser mulher não é só se vestir, não é só colocar uma maquiagem”, defende Luna Lucas, mais conhecida como Madame Tempestade, uma mulher travesti, pessoa que foi designada homem, mas se entende como uma figura feminina.

O que é inofensivo para uns, pode ser ofensivo para outros (Foto: Reprodução/Secom-JP)

Desde 1987, os foliões têm encontro marcado com o grande bloco carnavalesco de João Pessoa: As Virgens de Tambaú. Nele há o costume de homens se vestirem com símbolos considerados femininos. Luzimar dos Santos, mulher cisgênero, de 70 anos, defende a liberdade do vestir, não só no dia do bloco, como nos demais dias do ano, e não vê a questão como problemática. “Uns são [LGBTQIAPN+], porque são mesmo, e outros porque querem talvez acompanhar o carnaval. Tá tudo bem!”, disse a foliã.

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No entanto, a atitude de alguns homens cis de se apropriar de identidade de gênero que não lhes pertence pode ser ofensivo para outras pessoas, como acredita o estudante Kelvyn Kel, homem cis, de 24 anos. Ele acredita que o que acontece é desrespeitoso com mulheres trans e travestis. “Esses homens são os mesmos que passam o ano inteiro cometendo transfobia, que agridem as mulheres trans na rua, são os mesmos que fazem piadas pejorativas e quando chega no carnaval, eles se apropriam de uma roupa de mulher para fazer palhaçada. Eu acho um desrespeito com as mulheres trans e travestis que estão combatendo o preconceito”, afirmou. 

A Madame Tempestade também atenta para o preconceito existente após o bloco, no cotidiano. “Tem uma parte histórica que fala sobre proteção às mulheres [nos blocos de carnaval], mas ao mesmo tempo fala sobre uma ridicularização da população travestigênere. É muito sério porque muitas pessoas que se transvestem nas virgens, são as mesmas pessoas que são transfóbicas com as pessoas trans em qualquer momento”, reforça Luna.

Blocos reforçam estereótipos caricatos

O artista Artur Xavier, de 22 anos e que se identifica com o gênero fluido, ou seja, ao mesmo tempo em que pode se identificar com o gênero feminino, também pode fluir para o masculino e para o neutro, entre outras variações. Ele também acredita que travesti não é fantasia. “Eu sou um homem cis, mas estou transfigurando uma personagem feminina, que é Ariele, uma personagem que existe no [ritmo musical] maracatu de baque virado, que participa da corte, feito por homens, que se transvestiam de mulheres, mas não de forma pejorativa e, sim, de resistência”, disse.

Artur faz parte do Coletivo Maracastelo, de João Pessoa (Foto: Laura de Andrade)

Kelvyn avalia que blocos como As Virgens de Tambaú, de Mangabeira e de Valentina reforçam estereótipos do feminino de forma caricata. “É muito lamentável. A ideia do bloco é massa, mas é interessante que aconteça de forma respeitosa, sabe?”, disse Kel.

Liberdade ou desrespeito?

Euclides Menezes afirma que o bloco faz parcerias com associações de apoio às comunidades LGBTQIAPN+. “Todos os anos [as associações] vão ao desfile. A gente dá um microfone para eles falarem a mensagem de respeito às pessoas. O bloco dá a maior inclusão que se pode imaginar. O dia das virgens é um dia que as pessoas mudam de gênero e têm tranquilidade usando o traje que quiser. Todos são respeitados”, afirma o presidente das Virgens de Tambaú.

Ele ainda reforçou que vê o desfile como um momento de apoio à expressão individual e à liberdade. “Prezamos pelo respeito às pessoas todos os anos. A gente reforça que ‘Não é não’ para todos os lados”, finaliza.

A busca pela garantia de direitos e respeito é realidade na vida das mulheres trans e travestis do mundo inteiro. Em 2023, “o país do carnaval” seguiu como o que mais assassinou pessoas trans pelo 15º ano consecutivo, um aumento de mais de 10% nos casos de assassinatos de pessoas trans em relação ao ano anterior (2022), segundo dossiê de Assassinatos e Violências Contra Travestis e Transsexuais Brasileiras em 2023, da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). 

Na rede social digital Instagram, a Antra faz a campanha “Travesti não é fantasia”. “Sua fantasia satírica, estereotipada e sexualizada desumaniza vidas. Não somos homens vestidos de mulher!!!!” e “Travesti não é fantasia!! Homens usam roupas femininas no carnaval e depois do carnaval travestis apanham por estarem com vestimentas ditas femininas”, afirmam.

Matéria alterada às 9h43 para ajuste no título.

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