Na sentença judicial que condena o deputado federal Ruy Carneiro (PodemosPB) a 20 anos de prisão pelos crimes de peculato, fraude em licitação e lavagem de dinheiro, no âmbito do Caso Desk, chama atenção o amplo volume probatório com indícios de beneficiamento próprio a partir do desvio de recursos públicos. Dentre as provas apresentadas pela inicial acusatória está a compra de um veículo de luxo que teve parte quitada por uma funcionária da Desk. Por meio de sua assessoria, o deputado nega qualquer irregularidade e acusa desinformação, apesar de o fato estar presente na sentença judicial.
De acordo com o relatório apresentado na sentença, “restou comprovado que Ruy Carneiro adquiriu o veículo I/GM CAPTIVA, SPORT FWD, placa MOH-4083 CHASSI: 3GNCL13V39S588250, cor preta, RENAVAM: 00129583227, fabricação: 2008, modelo: 2009, o qual teve seu processo de primeiro emplacamento iniciado em 16/03/2009, sob nº 200900000587308 e foi adquirido na concessionária BRAZMOTORS VEÍCULOS E PEÇAS LTDA., com Nota Fiscal no valor de R$ 84.000,00 (oitenta e quatro mil reais), contudo, uma funcionária da DESK, em 2009, enviou à dita concessionária o pagamento de R$ 20 mil”. O valor pago pela funcionária da empresa é referente a parcela do carro adquirido por Ruy.
O processo criminal contra o deputado federal e pré-candidato a prefeito de João Pessoa é resultante de investigação do Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público da Paraíba. Em valores corrigidos, o veículo adquirido por Ruy custaria hoje R$ 195 mil, considerando apenas a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
Ainda conforme a sentença, em suma, a lavagem de dinheiro praticada ocorria da seguinte maneira:
1ª etapa – colocação: a partir da prática de fraudes licitatórias ocorridas no âmbito da SEJEL-PB, notadamente decorrente do Contrato nº 004/2009 e seu Aditivo n9 001/2009, os recursos públicos pertencentes ao patrimônio do Estado da Paraíba foram colocados no sistema econômico por meio de empresas pertencentes ao esquema (DESK e DELTA).
2ª etapa – ocultação: com os recursos transferidos para empresa contratada (DESK), passou-se a realizar ações a fim de dificultar o rastreamento contábil dos recursos ilícitos. Foram transferidos recursos para a empresa DELTA (pertencente aos sócios da empresa DESK) e especialmente para as empresas MC EVENTOS, JA EVENTOS e DG EVENTOS, sendo estas vinculadas a OZIMAR BERTO DE ARAÚJO, por meio de sócios/proprietários “laranjas”. Depois de recebidos os valores nas empresas de OZIMAR ARAÚJO, estes passaram a ser destinados a RUY CARNEIRO, por meio de transferências bancárias a pessoas a este vinculadas, bem como por meio de saques de dinheiro.
3º etapa – integração: de posse dos ativos financeiros, diretamente ou por interpostas pessoas, os valores passaram a ser incorporados formalmente ao sistema econômico, mediante apoio a aliados políticos, doação de campanha, recebimento de valores supostamente lícitos por familiares e aquisição de bens de consumo.
A defesa de Ruy já protocolou recurso contra a decisão. Ainda no domingo (25), quando foi divulgada a sentença, Ruy publicou um vídeo nas suas redes sociais digitais e um texto por meio de sua assessoria de imprensa rebatendo a decisão judicial. Em ambos o pré-candidato insinua tom eleitoral na decisão, ataca a Justiça paraibana e levanta suspeita sobre envolvimento da Justiça em favor do prefeito Cícero Lucena: “Não vão me calar por causa da eleição” e “Querem me calar porque sabem que posso derrotá-los”.
Ao acusar no plural justamente no dia em que somente a Justiça se manifestou, o deputado e pré-candidato põe em xeque a lisura do Poder Judiciário.
Em texto divulgado pela assessoria de imprensa, é evidente o tom conspiracionista e de questionamento à Justiça: “Ruy Carneiro demonstrou estranhamento em relação ao fato de uma decisão de primeira instância, que corria em segredo de Justiça, vir à tona antes de o próprio Tribunal publica [sic] e a poucos meses de uma eleição em que se coloca como principal adversário do atual prefeito de João Pessoa, Cícero Lucena”.
Por meio de sua assessoria de imprensa, o deputado federal e pré-candidato Ruy Carneiro negou qualquer irregularidade na compra do carro. A defesa de Ruy alega tratar-se de notícia falsa e afirma que não existem provas. “A informação citada de forma superficial não possui provas, documentos, extratos bancários, nome de pessoas envolvidas, nem qualquer tipo de detalhe concreto referente a suposta compra irregular de veículo”.
De acordo com o advogado Felipe Negreiros, que representa Ruy Carneiro, essa é mais uma notícia antiga e que não houve qualquer acusação legal sobre o assunto. “Isso não foi objeto das razões finais do Ministério Público. Há muitos anos houve uma denúncia tratando dessa temática, a imprensa chegou a questionar a situação, mas o próprio MP sequer exortou isso no processo. Na época, Ruy também se pronunciou e esclareceu qualquer tipo de dúvida”, esclareceu. No entanto, o fato é sim citado na sentença judicial, conforme transcrito acima.
Matéria alterada às 20h46 para ajuste no título, no primeiro parágrafo e acréscimo da defesa do deputado Ruy Carneiro.