Atolado em uma crise de imagem sem precedentes, o deputado federal e pré-candidato a prefeito de João Pessoa, Ruy Carneiro (Podemos), decidiu dobrar a aposta e voltou a atacar a Justiça da Paraíba, desta vez ultrapassando os limites das mídias digitais para investir em uma campanha publicitária de outdoors pela capital. O mote “não vão nos calar!” foi dito por Ruy pela primeira vez em resposta à decisão judicial logo após a condenação a 20 anos de prisão pelos crimes de peculato, fraude em licitação e lavagem de dinheiro, todos no Caso Desk.
A sentença que condena Ruy à prisão derruba por terra seu discurso político utilizado até aqui visando a disputa pela Prefeitura de João Pessoa nas eleições deste ano. O deputado tem repetidamente atacado a decisão judicial, pondo em xeque a isenção do Poder Judiciário. Desde o dia em que a decisão foi divulgada, Ruy tem atacado a Justiça.
Ainda em sua defesa, tanto no vídeo como no material divulgado por meio da assessoria de imprensa, Ruy alega inocência ao citar um outro processo do qual foi absolvido, também no âmbito do Caso Desk. Apoiadores do deputado divulgaram em grupos de aplicativos de mensagens durante todo o domingo uma notícia de 2020 sobre a absolvição de Ruy neste processo administrativo. Trecho do texto divulgado pela assessoria do parlamentar aborda o tema:
“Segundo Ruy, todas as cadeiras que motivaram o processo foram compradas, instaladas legalmente e passaram por contagem de auditores do Tribunal de Contas da Paraíba, que foram por duas vezes contar uma a uma. ‘O TCE já se pronunciou sobre isso na época, muitos anos atrás, constatando em duas auditorias que 99,68% das cadeiras estavam inteiras e correspondiam ao que foi licitado, sendo que 0,32% estavam danificadas por desgaste natural de uso’, informa o deputado. ‘Sou ficha limpa coloco os meus sigilos fiscal, bancário e telefônico à disposição do Judiciário. A Paraíba me conhece’, acrescentou”.
São casos absolutamente diferentes. Enquanto o de 2020 tramitou na esfera administrativa, este que teve sentença divulgada ontem e que condena Ruy Carneiro pelos crimes de peculato, fraude em licitação e lavagem de dinheiro são da esfera criminal.
Nesta sentença mais recente, não há questionamento sobre a entrega das cadeiras nos estádios. No entanto, é vasto o material probatório que aponta para lavagem de dinheiro e beneficiamento do pré-candidato a prefeito, à época secretário de Estado. O dano ao erário estimado é superior a R$ 1,5 milhão.
Dentre as provas apresentadas pela inicial acusatória está a compra de um veículo de luxo que teve parte quitada por uma funcionária da Desk. Por meio de sua assessoria, o deputado nega qualquer irregularidade e acusa desinformação, apesar de o fato estar presente no relatório da sentença judicial.
De acordo com o relatório apresentado na sentença, “restou comprovado que Ruy Carneiro adquiriu o veículo I/GM CAPTIVA, SPORT FWD, placa MOH-4083 CHASSI: 3GNCL13V39S588250, cor preta, RENAVAM: 00129583227, fabricação: 2008, modelo: 2009, o qual teve seu processo de primeiro emplacamento iniciado em 16/03/2009, sob nº 200900000587308 e foi adquirido na concessionária BRAZMOTORS VEÍCULOS E PEÇAS LTDA., com Nota Fiscal no valor de R$ 84.000,00 (oitenta e quatro mil reais), contudo, uma funcionária da DESK, em 2009, enviou à dita concessionária o pagamento de R$ 20 mil”. O valor pago pela funcionária da empresa é referente a parcela do carro adquirido por Ruy.
O processo criminal contra o deputado federal e pré-candidato a prefeito de João Pessoa é resultante de investigação do Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público da Paraíba. Em valores corrigidos, o veículo adquirido por Ruy custaria hoje R$ 195 mil, considerando apenas a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
De acordo com o relatório apresentado na sentença, Carlos Belchior Junior, irmão de Ruy, recebeu de Josvaldo Araújo de Souza Trajano em sua conta bancária o valor de R$ 9,4 mil; Josvaldo é irmão de Ozimar Berto Araújo, apontado como operador no Caso Desk e preso na Operação Pão e Circo.
Um dos trechos mais complicados na sentença trata de um pagamento de pensão alimentícia para a ex-mulher de Ruy ter sido feito diretamente da conta de Ozimar Berto Araújo, apontado como operador no esquema e preso na Operação Pão e Circo. Em seu depoimento, o parlamentar alegou que o dinheiro saiu da conta do operador para sua ex-mulher por causa de uma trapalhada de seu então office boy.
No trecho da sentença que aborda a lavagem de capitais, o juiz cita o depoimento de Ruy, no entanto, aponta falta de explicação a respeito de somas recebidas pelo deputado de volta da ex-mulher.
“Entretanto, consultando o relatório bancário acostado ID 71807487, vê-se que RUY MANUEL CARNEIRO BARBOSA DE AÇA BELCHIOR, embora tenha pago R$ 3.700,00 a título de pensão alimentícia, recebeu de sua ex-esposa, duas somas consistentes em R$ 7.000,00 e 6.460,00 as quais não tiveram explicação quanto à origem.”
Ainda de acordo com o documento, “Ozimar Berto de Araújo atuava como verdadeira instituição bancária pessoal de RUY MANUEL CARNEIRO BARBOSA DE AÇA BELCHIOR, onde, diante da solicitação deste, havia a liberação de valores, mediante o pagamento de taxas de “administração”, disfarçada de juros de empréstimo na ordem de 2,5%”.
De acordo com Ruy, conforme consta no documento da sentença, Ozimar, à época, emprestava dinheiro a juros. Ruy tratou de pedir um empréstimo e mandou que Ivo, seu office boy, fosse encontrar o agiota no banco para pegar o dinheiro e, com esse dinheiro, fizesse uma série de pagamentos.
“Então o que aconteceu, por uma questão de preguiça de Ivo e de Ozimar, ou por dificuldade de sacar o dinheiro, Ivo, em vez de fazer o que o mandou, disse a Ozimar que tinha mandado fazer o depósito naquelas contas, então Ozimar fez a transferência”, diz o trecho da sentença referente ao depoimento de Ruy à Justiça.
A explicação de Ruy à Justiça envolve todas as transferências suspeitas feitas pelo operador do Caso Desk a pessoas relacionadas com o deputado: sua ex-mulher, seu irmão e o ex-deputado estadual Fabiano Lucena. Mas, segundo Ruy, tudo foi por culpa do office boy.
Ainda conforme a sentença, em suma, a lavagem de dinheiro praticada ocorria da seguinte maneira:
1ª etapa – colocação: a partir da prática de fraudes licitatórias ocorridas no âmbito da SEJEL-PB, notadamente decorrente do Contrato nº 004/2009 e seu Aditivo n9 001/2009, os recursos públicos pertencentes ao patrimônio do Estado da Paraíba foram colocados no sistema econômico por meio de empresas pertencentes ao esquema (DESK e DELTA).
2ª etapa – ocultação: com os recursos transferidos para empresa contratada (DESK), passou-se a realizar ações a fim de dificultar o rastreamento contábil dos recursos ilícitos. Foram transferidos recursos para a empresa DELTA (pertencente aos sócios da empresa DESK) e especialmente para as empresas MC EVENTOS, JA EVENTOS e DG EVENTOS, sendo estas vinculadas a OZIMAR BERTO DE ARAÚJO, por meio de sócios/proprietários “laranjas”. Depois de recebidos os valores nas empresas de OZIMAR ARAÚJO, estes passaram a ser destinados a RUY CARNEIRO, por meio de transferências bancárias a pessoas a este vinculadas, bem como por meio de saques de dinheiro.
3º etapa – integração: de posse dos ativos financeiros, diretamente ou por interpostas pessoas, os valores passaram a ser incorporados formalmente ao sistema econômico, mediante apoio a aliados políticos, doação de campanha, recebimento de valores supostamente lícitos por familiares e aquisição de bens de consumo.