Uma mulher ajuizou ação de danos morais e materiais contra seu padrasto, afirmando que sofreu abusos sexuais na infância. Alegou que, apesar dos abusos terem ocorrido entre seus 11 e 14 anos, só na idade de 34 as memórias daqueles fatos passaram a lhe causar crises de pânico e dores no peito, a ponto de procurar atendimento médico. Para amenizar o sofrimento, disse ter iniciado sessões de terapia, nas quais entendeu que a causa das crises eram os abusos sofridos na infância – situação atestada em parecer técnico da psicóloga.
A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, decidiu que, no caso de abuso sexual durante a infância ou a adolescência, o prazo prescricional da ação indenizatória não começa a correr automaticamente quando a vítima atinge a maioridade civil (atualmente, aos 18 anos). Segundo o colegiado, é preciso considerar o momento em que ela adquiriu total consciência dos danos em sua vida, aplicando-se, assim, a teoria subjetiva da actio nata.
Veja também
Brasil registra 6 milhões de acidentes de trabalho em 10 anos
O juízo de primeiro grau entendeu que o prazo de prescrição, que é de três anos para esse tipo de ação, deveria ser contado a partir do momento em que autora atingiu a maioridade civil. Como a ação só foi ajuizada mais de 15 anos após o vencimento do prazo, foi declarada a prescrição – decisão mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).
O relator do recurso no STJ, ministro Antonio Carlos Ferreira, observou que, embora os danos íntimos do abuso sexual sejam permanentes, sua manifestação pode variar ao longo do tempo, como resposta a diferentes eventos ou estágios da vida da vítima. O magistrado apontou que, muitas vezes, a vítima tem dificuldade para lidar com as consequências psicológicas do abuso e pode levar anos, ou mesmo décadas, para reconhecer e processar plenamente o trauma que sofreu.
Por conta disso, para o ministro, não há como exigir da vítima de abuso sexual na infância ou na adolescência que tome uma atitude para buscar a indenização no reduzido prazo de três anos após atingir a maioridade civil. Segundo ele, em razão da complexidade do trauma causado pelo abuso, é possível que, ao atingir a maioridade, a vítima ainda não tenha total consciência do dano sofrido nem das consequências que o fato poderá trazer à sua vida.
“Considerar que o prazo prescricional de reparação civil termina obrigatoriamente três anos após a maioridade não é suficiente para proteger integralmente os direitos da vítima, tornando-se essencial analisar cuidadosamente o contexto específico para determinar o início do lapso prescricional em situações de abuso sexual na infância ou na adolescência”, concluiu.
Segundo Antonio Carlos Ferreira, é imprescindível conceder à vítima a oportunidade de comprovar o momento em que constatou os transtornos decorrentes do abuso sexual, a fim de estabelecer o termo inicial de contagem do prazo de prescrição para a reparação civil.
O ministro ressaltou que a aplicação da teoria subjetiva da actio nata é especialmente relevante no contexto de abuso sexual infantojuvenil. “A teoria subjetiva da actio nata estabelece que o prazo de prescrição para propor ação judicial começa a ser contado do momento em que o ofendido toma ciência da extensão do dano sofrido e de sua autoria. Essa teoria desempenha papel crucial na proteção dos direitos das vítimas, garantindo que tenham a oportunidade de buscar justiça mesmo diante de circunstâncias que inicialmente dificultem o exercício de seus direitos”, declarou o relator ao dar provimento ao recurso especial.
Fonte: STJ