A primeira parte da audiência pública, ocorrida na manhã desta segunda-feira (10), para ouvir especialistas sobre o monitoramento secreto de aparelhos de comunicação pessoal, focou nas ameaças aos direitos e garantias fundamentais, como intimidade, vida privada e privacidade. As falas seguiram, ainda, na abordagem da segurança cibernética e no combate ao que os especialistas chamaram de “hacking governamental”.
Para os expositores, a regulamentação discutida na ADPF 1143, voltada para o uso adequado de instrumentos disponíveis à investigação criminal, precisa se concentrar no combate às vulnerabilidades e à hipervigilância dos indivíduos por parte do Estado, tema que também vem sendo discutido por governos de todo o mundo.
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A primeira especialista a falar, a representante da Comissão de Direito Digital da Confederação Federal da OAB e professora de Direito, Laura Schertel Mendes, defendeu os direitos à privacidade e aos dados pessoais e lembrou da decisão unânime do plenário do Supremo, que reconheceu, em maio de 2020, a proteção de dados pessoais como direito fundamental.
A fala da professora foi complementada por Alisson Possa, também membro da Comissão de Direito Digital do Conselho Federal da OAB. De acordo com ele, a instalação de softwares espiões necessita de limites claros e não intrusivos, em respeito aos direitos fundamentais.
A representante da Secretaria de Políticas Digitais da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Samara Castro, focou no direito constitucional à informação. “A vigilância, especialmente de jornalistas, tem implicações importantes no exercício do jornalismo profissional, porque pode produzir a autocensura, o que interfere no exercício da democracia”. Por isso, defendeu que as ferramentas de monitoramento discutidas na audiência não sejam, em nenhum caso, usadas para monitorar jornalistas. “Isso é imperativo para que seja reconhecida a liberdade de expressão e o livre exercício do jornalismo”.
O representante do Tribunal de Contas da União (TCU), Wesley Vaz, abordou o uso de ferramentas e tecnologias no monitoramento de licitação e produção de contratos do TCU. Falou que o TCU tem focado em atuar com sistemas transparentes e auditáveis e, ainda, em mecanismos de softwares estatais sempre relacionados à finalidade do interesse público. “A jurisprudência do Tribunal tem se reforçado na identificação de um conjunto de riscos e controles para mitigação desses riscos, além da necessária auditabilidade.”
O coordenador da Associação Data Privacy Brasil, Pedro José Nasser Saliba, tratou do conceito de tecnoautoritarismo, utilização cada vez mais massiva, quantitativa e qualitativamente das tecnologias de comunicação digitais para controle da sociedade por parte do Estado. Lembrou também que “esse não é um fenômeno apenas dos governos ditatoriais, mas que vem minando, de dentro para fora, as democracias no mundo”.
Segundo Saliba, algumas dessas ferramentas funcionam como spywares, softwares maliciosos projetados para espionar e coletar dados pessoais, sem o conhecimento dos titulares, em ambientes digitais, e geram o chamado “hacking governamental”. “O uso dessas ferramentas viola as normas constitucionais e as normas do setor de telecomunicações e, muitas vezes, são usados para o monitoramento de jornalistas, ativistas e até mesmo de autoridades”, destacou.
A especialista do Instituto de Pesquisa em Direito e Tecnologia do Recife, Raquel Saraiva, abordou o mesmo tema. Para ela, é preciso adotar duas medidas urgentes: a aprovação de uma lei geral de proteção de dados pessoais, aplicável à segurança pública, defesa nacional e segurança do Estado, atualmente em tramitação no Congresso Nacional; e a adoção de medidas extremamente restritivas ou até mesmo o banimento dessas ferramentas por parte do Estado.
Em nome da Associação Internetlab de Pesquisa Direito e Tecnologia, Bárbara Simão disse que as ferramentas de intrusão virtual têm sido usadas sem regramentos específicos por parte de serviços de inteligência, órgãos de repressão estatais e de defesa nacional, o que pode ocasionar vigilância massiva remota e secreta de dispositivos eletrônicos pessoais.
“São as ferramentas mais invasivas que existem à disposição do Estado e que podem atingir a vida privada de um indivíduo. Por isso, não podem ser equiparadas às interceptações telefônicas”, disse a especialista, para quem seria melhor não haver uso desses instrumentos por parte do Estado.
O representante da União Nacional dos Profissionais de Inteligência de Estado da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) Intelis, Hugo Alberto Lazar, destacou que a atividade de inteligência não se confunde com investigação criminal, pois busca antecipar fatos e situações com potencial impacto à segurança de pessoas e instituições contra espionagem estrangeira, terrorismo e extremismo violento.
Ressaltou ainda que a lei que rege os serviços de inteligência no Brasil está desatualizada, e defendeu a criação de um mecanismo de controle judicial prévio para ações operacionais, como ocorre em outros países. Para ele, o equilíbrio entre privacidade e segurança do Estado e da sociedade está no aprimoramento da regulamentação das atividades de inteligência.
Fonte: STF