A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) adiou nesta quarta-feira (10) a votação da PEC 48/2023, que propõe a inserção da tese do marco temporal na Constituição Federal. O presidente da CCJ, Davi Alcolumbre (União-AP), concedeu vistas coletivas ao texto após pedidos dos senadores governistas e a possibilidade de um acordo entre o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal. Alcolumbre afirmou que, se não houver progresso na busca por uma solução consensual, a proposta deverá retornar à pauta da comissão em outubro.
A PEC, que foi apresentada com a assinatura de 27 senadores, estava na pauta da CCJ desta quarta-feira e, inclusive, o relator da matéria, senador Esperidião Amin (PP-SC), chegou a apresentar seu voto favorável à proposta. No entanto, o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), informou que houve um pedido do Supremo Tribunal Federal (STF), feito pelo ministro Gilmar Mendes, para que o Congresso e o STF busquem uma solução de consenso por meio de um grupo de trabalho.
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“O ministro Gilmar Mendes, e isso já está nos jornais, fez uma proposta aos presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados para que se faça uma comissão com três representantes de uma Casa do Congresso e três da outra [Casa], e imagino que mais três [representantes] do Supremo Tribunal Federal, em uma tentativa de se trabalhar nessa matéria a partir do dia 5 de agosto”, disse Jaques Wagner.
Davi Alcolumbre acolheu a sugestão do líder do governo.
“Essa proposta de emenda constitucional surgiu, a bem da verdade, por conta justamente desse imbróglio criado pelo Poder Judiciário. Não é embate, não é enfrentamento, nem protagonismo; é papel constitucional desta Casa deliberar sobre assuntos legislativos. Quando a demanda chega ao Judiciário, lógico, evidente, ele, instado, tem de tomar um encaminhamento. Mas, diante de todo esse cenário, eu entendo a manifestação de Vossa Excelência [dirigindo-se a Jaques Wagner]. Eu compreendo, acolho a manifestação. Eu tenho certeza de que, no fundo, todos os senadores que estão aqui estão buscando um caminho para resolver esse problema.”
Em setembro de 2023, o Congresso Nacional aprovou um projeto de lei para regular a demarcação de terras indígenas de acordo com o marco temporal, ou seja, os povos indígenas só podem reivindicar terras que ocupavam ou disputavam na data da promulgação da Constituição (5 de outubro de 1988). Em seguida, o governo federal, em sintonia com o entendimento do STF, vetou o trecho da lei que instituía o marco temporal. Esse veto, no entanto, foi derrubado pelo Congresso logo depois. Assim, o marco temporal virou lei em outubro de 2023 (Lei 14.701, de 2023). No entanto, novas ações no STF voltaram a questionar a constitucionalidade dessa legislação.
Durante a leitura de seu voto, que é favorável à PEC, Esperidião Amin argumentou que a tese do marco temporal surgiu em 2009, em um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) sobre a demarcação da reserva Raposa-Serra do Sol, em Roraima. O STF, na época, decidiu pelo critério temporal nesse caso. No entanto, o senador observou que essa Corte acabou mudando o entendimento em outro recurso, relacionado à área localizada em parte da Reserva Biológica do Sassafrás, em Santa Catarina, e decidiu que a data da promulgação da Constituição Federal não poderia ser utilizada para definir a ocupação tradicional da terra pelas comunidades indígenas.
Devido a essas controvérsias, Esperidião Amin defendeu a necessidade de uma emenda constitucional.
“Por conta disso, penso que o caminho correto é mesmo o de aprovar na íntegra a PEC, a fim de pôr termo à balbúrdia interpretativa que o próprio STF criou, positivando de forma inequívoca na Constituição que são terras indígenas as que estavam ocupadas em 5 de outubro de 1988”, declarou o senador por Santa Catarina.
Para o autor da PEC, senador Dr. Hiran (PP-RR), ao se ampliar as possibilidades para a constante demarcação de terras, sem um limite temporal, o Brasil acaba reforçando a insegurança jurídica sobre o tema. Além disso, ele argumenta que isso condena ao subdesenvolvimento as regiões e as comunidades que vivem isoladas, sem acesso a direitos básicos e políticas públicas que permitam seu progresso.
“Nós estamos atrasados desde a publicação da nossa Constituição, porque lá estava consignado, no artigo 67 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que nós tínhamos cinco anos para demarcar nossas terras indígenas”, declarou Hiran, acrescentando que “nós estamos legislando; nós não estamos brigando com quem quer que seja”.
Para os senadores Marcos Rogério (PL-RO) e Tereza Cristina (PP-MS), é preciso “virar a página” e resolver de vez o assunto. Eles alertaram para o fato de que o Congresso Nacional já tomou decisões sobre essa questão em duas ocasiões, oferecendo ao Judiciário, segundo eles, todo o arcabouço jurídico necessário para se decidir em casos de questionamentos.
“O que temos hoje é uma PEC para reafirmar o que já está na Constituição. Mas tudo bem. Se é isso que a gente precisa fazer, vamos fazer. É nosso papel, como legisladores, votar. E que a maioria vença (…). Isso não quer dizer que estamos afrontando o Supremo Tribunal Federal. Que o Supremo faça a comissão, que isso dê certo, que a gente avance no entendimento para caminhar de maneira mais célere. Mas aqui nós estamos colocando a nossa posição de colocar a PEC, de votar a PEC e de resolver isso de uma vez por todas”, afirmou Tereza Cristina.
Já os senadores Plínio Valério (PSDB-AM) e Marcio Bittar (União-AC) não concordaram com o adiamento da votação na CCJ nem com a tentativa de entendimento com o STF. Para eles, o Congresso precisa decidir sobre o tema sem qualquer interferência de outros Poderes.
“O problema é que nós senadores, nós instituição Senado, nós permitimos, e já faz tempo, que o Supremo Tribunal Federal se apodere de nossas prerrogativas, se intrometa, usurpe nossas prerrogativas. Isso é efeito colateral”, criticou Plínio Valério.
Já o senador governista Rogério Carvalho (PT-SE) defendeu uma proposta de consenso, considerando positivo o prazo de 45 dias para construção desse entendimento.
“O que se está propondo é a construção de um texto que seja consensual. E o que eu estou entendendo é que a postura aqui e a posição defendida pelo senador Jaques Wagner será a posição do governo federal nesta comissão. E a posição que vier do STF, do Judiciário, vai se transformar num entendimento para que a gente possa acabar com esse problema. E já se vão 35 anos sem uma solução.”
Fonte: Agência Senado