O Senado começa a analisar em agosto o primeiro projeto de regulamentação da reforma tributária, aprovado na Câmara dos Deputados na quarta-feira da semana passada (10). O Projeto de Lei Complementar (PLP) 68/2024 estabelece as regras de como vai ficar a unificação dos tributos sobre o consumo, os casos de diminuição da incidência tributária e normas para a devolução do valor pago, conhecido como cashback.
A regulamentação é uma exigência da Emenda Constitucional 132, promulgada em dezembro, que estipulou a substituição de cinco tributos (ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins) por três: o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto Seletivo. O objetivo é simplificar e modernizar o sistema tributário brasileiro, após décadas de tentativas no Congresso sem êxito.
O primeiro entrave para o texto ser analisado pelo Senado é o regime de urgência solicitado pelo governo que abrevia o tempo para examinar o projeto a 45 dias. Esse regime, previsto na Constituição Federal, tranca a pauta de votações no Plenário se não houver aprovação dentro do prazo. Os líderes da Casa já se mobilizaram para pedir a retirada da restrição durante reunião com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, no dia 11 de julho, já no dia seguinte à aprovação do projeto pelos deputados.
O líder do governo no Congresso Nacional, o senador Randolfe Rodrigues (PT-AP) afirmou que vai conversar com o presidente Lula e a sua coordenação política sobre uma possível retirada do pedido de urgência. Além da pressão dos líderes, o próprio relator designado por Pacheco para avaliar o projeto de lei complementar, senador Eduardo Braga (MDB-AM), afirmou em suas redes sociais que é necessário mais tempo para discutir os quase 500 artigos do projeto.
Segundo Braga, há vários questionamentos sobre o projeto aprovado pela Câmara. Um deles é o descumprimento da alíquota média da tributação sobre o consumo que não ultrapassaria 26,5%, assegurada pelo Senado na tramitação da PEC 132/2015, da reforma tributária, da qual Braga foi o relator. Algumas estimativas já divulgadas projetam a alíquota para algo próximo de 27,3%. Essa trava acertada com o Ministério da Fazenda foi alterada na Câmara. O relator já disse ser contrário a isso, no Plenário do Senado.
“Buscamos garantir a neutralidade tributária. Ou seja, que o povo brasileiro com a nova reforma tributária não tenha aumento de carga tributária. Acho que esse foi um dos maiores legados que o Senado da República estabeleceu quando da aprovação da emenda”, afirmou Braga
Outros senadores também começaram a manifestar, em pronunciamentos no Plenário, as suas divergências em relação ao texto aprovado pelos deputados. Um deles, o senador Izalci Lucas (PL-DF), apontou o aumento da tributação sobre a venda de imóveis, que deverá atingir 18,9%, “mais do dobro do cenário atual”. Acrescentou que a carga tributária dessas transações poderá subir mais de 50% em casos específicos. O senador considerou que será “o fim do sonho da casa própria” para muitos brasileiros.
Izalci foi escolhido na terça-feira (16), pelo presidente da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO), para coordenar o grupo de trabalho que vai debater o PLP 68/2024 e apresentar sugestões ao texto da Câmara. Integrantes da CAE reivindicam que o projeto de lei complementar não tramite apenas na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), como foi anunciado por Pacheco, e passe também pelo crivo do colegiado.
Diante de questionamentos como esses, o relator do PLP 68 disse, em suas redes sociais, ser contrário à urgência do projeto.
“Fiz um apelo para que não tramite em urgência, para que possamos estabelecer um calendário que viabilize a realização de audiências públicas, ouvindo os diversos segmentos. Trabalharemos na construção de um texto consensual. Temos questionamentos, seja em relação à Zona Franca de Manaus, questões do Nordeste e diversos segmentos da política brasileira, inclusive, em relação ao comitê gestor”, aponta.
Além disso, ele lembrou que será um desafio votar a regulamentação em 2024 em razão do envolvimento de diversos senadores com as eleições municipais. No entanto, Pacheco comprometeu-se, em abril, a entregar ainda neste ano a regulamentação da reforma, apesar do calendário eleitoral.
O relator se reuniu com a Consultoria Legislativa do Senado (Conleg) para encomendar uma análise técnica do PLP 68/2024, com todas as mudanças introduzidas pelos deputados ao projeto original, apesar de a redação final não ter sido ainda encaminhada ao Senado. Só depois desse estudo que Braga pretende apresentar o seu cronograma de trabalho, com os pedidos de audiências públicas na CCJ.
O PLP 68 é apenas o primeiro projeto de regulamentação da reforma tributária. Estão previstos outros, como o que vai regulamentar a tributação sobre a renda. O Executivo já entregou à Câmara dos Deputados um segundo projeto de lei complementar (PLP) 108/2024, que institui o comitê gestor. O texto vai começar a ser analisado pelos deputados.
O projeto estipula com mais detalhes quais produtos ou serviços terão uma cobrança menor dos novos tributos ou que sequer serão taxados, chamados de regimes diferenciados. Ao todo, são mais de 700 hipóteses de isenção, imunidade, redução e benefícios fiscais.
A regulamentação prevê que se a soma das alíquotas estimadas de CBS e IBS forem maiores que 26,5% em 2033, ano em que os novos tributos estarão totalmente implementados, o Poder Executivo deverá enviar projeto de lei ao Congresso Nacional propondo sua diminuição.
Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a alíquota total para bens e serviços que se enquadram na regra geral será de 27,03%, na forma do que foi aprovado na Câmara dos Deputados no dia 10 de julho. Na sua avaliação, a razão é a inclusão de novos itens pelos deputados, como a carne e o sal na cesta básica nacional (CBN), nas exceções à regra geral.
As alíquotas só serão definidas em futuras leis ordinárias. No caso da CBS, que já poderá ser cobrada em 2027, deve ser lei federal. Para o IBS, que terá transição de 2029 a 2033, uma parte será definida por lei estadual e outra por lei municipal.
O projeto prevê aos contribuintes que participam da cadeia de produção o direito de recuperar parte dos novos tributos pagos (salvo o Imposto Seletivo), desde que haja a comprovação da operação com documento fiscal eletrônico.
Isso ocorrerá por meio de um sistema de crédito em que o fornecedor abate, dos tributos devidos no momento da venda, o tributo que o produtor já pagou quando vendeu o insumo a ele. O sistema será desenvolvido pelo comitê gestor do IBS e deverá permitir aos contribuintes a consulta dos pagamentos já realizados.
Os créditos poderão ser usados para pagar os tributos devidos na operação. Mas, isso só ocorrerá se não houver saldo devedor de IBS ou CBS ainda não inscritos em dívida ativa. Nesse caso, a prioridade na utilização dos créditos será na compensação do saldo devedor.
Se houver crédito e o contribuinte não se encontrar em nenhuma dessas duas situações, poderá solicitar ressarcimento ou utilizar os créditos para quitar futuras cobranças dos tributos. Após cinco anos sem uso, extingue-se o direito.
Os créditos não poderão ser transferidos, exceto em alguns casos, como fusão de empresas. Também não será possível utilizar o crédito relativo à CBS para arcar com a cobrança do IBS, nem o oposto será permitido.
Não haverá crédito para operações comerciais consideradas de consumo pessoal nem para os seguintes itens, salvo se utilizados exclusivamente na atividade econômica do estabelecimento:
Quando o contribuinte não precisar arcar com CBS ou IBS, haverá restrições quanto ao uso dos créditos. As normas são diferentes para cada tipo de benefício:
O direito ao crédito só é possível porque a CBS e o IBS são tributos sobre valor agregado (IVA), que observam o princípio da não cumulatividade. Isso resulta em uma arrecadação do governo que coincide com a alíquota aplicada ao preço pago pelo consumidor final. Sem esse mecanismo, um mesmo tributo é aplicado várias vezes durante toda a circulação de um bem, “em cascata”, como ocorre hoje com vários tributos.
Outra forma de devolução de tributos ocorrerá para as famílias com renda de até meio salário mínimo por membro — o que corresponde a R$ 706 por integrante, atualmente. O chamado cashback devolverá no mínimo 20% de IBS e CBS para qualquer gasto dessas famílias. A devolução será em até 25 dias da apuração.
A exceção ocorre na compra de botijão de gás de 13 quilos e em serviços de energia elétrica, água, esgoto e gás natural, com relação à CBS. Nessas situações, a devolução será de todo o valor que a família pagar de tributo federal.
Os produtos taxados com o Imposto Seletivo, que incide sobre itens prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, não terão cashback.
As porcentagens podem aumentar por meio de nova lei da União (no caso da CBS) ou dos estados e municípios (para o IBS).
Será automaticamente incluída no sistema de cashback a família de baixa renda que possuir:
Outro caso de devolução será para o turista estrangeiro, sobre a CBS e o IBS de produtos comprados no Brasil e embarcados na bagagem. Para isso, deverá haver ato conjunto do Ministério da Fazenda e do comitê gestor do IBS.
Elaborado para preservar o meio ambiente e a saúde da população, o Imposto Seletivo possui regras próprias para cada categoria taxada. Ele poderá ser cobrado a partir de 2027.
Com relação aos veículos, por exemplo, as alíquotas serão maiores ou menores em relação a cada tipo de automóvel, conforme critérios de sustentabilidade, de desenvolvimento nacional e de inclusão social.
Não serão taxados os caminhões e haverá alíquota zero para os automóveis adquiridos por pessoas com deficiência ou taxistas.
As alíquotas do Imposto Seletivo, que serão cobradas apenas uma vez no processo produtivo, serão estabelecidas em futura lei federal para todos os casos.
Os fumígenos também terão Imposto Seletivo, que será agravado para os cigarros e charutos que contenham tabaco. Nesses casos, a alíquota será acrescida de um valor extra, que deve variar de acordo com as características do produto. O mesmo valerá para as bebidas alcoólicas.
Já o Imposto Seletivo para minério de ferro, petróleo, gás natural e carvão mineral terá o percentual máximo de 0,25%. Há exceções, como o uso do gás natural em processo industrial, que permitem o imposto zerado.
Ao todo, serão 25 itens taxados com o Imposto Seletivo, incluindo:
A regulamentação estipula outras situações em que haverá diminuição ou suspensão de CBS e IBS. É o caso dos regimes favorecidos da Zona Franca de Manaus e das áreas de livre comércio na região Norte, que manterão seu diferencial competitivo atual.
O texto livra indústrias incentivadas dessas regiões, por exemplo, do pagamento de CBS e IBS em casos de importação de bens materiais (suspensão de cobrança). O mesmo vale para bens industrializados em outras partes do país que entrarem nessas áreas para seu processo produtivo.
Também haverá a suspensão para os seguintes regimes aduaneiros especiais ou de bens de capitais já existentes, entre outros:
Fonte: Agência Senado