A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) promoveu, na tarde da última terça-feira (29), a primeira de uma série de 11 audiências públicas sobre o projeto de lei complementar (PLP) 68/2024, que regulamenta os tributos previstos na reforma tributária. O projeto trata, entre outros temas, da implementação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), da Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) e do Imposto Seletivo (IS). Durante a reunião, os especialistas convidados elogiaram a reforma, mas pediram alguns ajustes neste momento de regulamentação, como a revisão das alíquotas diferenciadas.
O objetivo do encontro da terça, de acordo com o plano de trabalho apresentado pelo relator da matéria, senador Eduardo Braga (MDB-AM), foi discutir aspectos gerais do projeto, “com especial enfoque sobre alíquotas, regras de não cumulatividade, direito ao creditamento, split payment e incidência” dos novos tributos.
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O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, agradeceu o trabalho da Câmara dos Deputados em relação ao projeto de regulamentação e disse entender que os senadores certamente vão colaborar com o texto final da matéria. Durigan reconheceu que é complexo alcançar o ponto considerado ideal, mas apontou que o resultado concreto da reforma tributária poderá causar um efeito positivo na vida dos brasileiros. Ele ainda disse que o sistema bancário atual permite pensar que, em pouco tempo, o país possa alcançar um modelo moderno de tributação sobre o consumo.
“Temos hoje um dos piores modelos de tributação do mundo. Colocar o Brasil no rol dos melhores é, sem dúvida alguma, algo de muito peso que o Senado poderá fazer. Não podemos perder de vista o tamanho do ganho de eficiência que o Brasil vai ter com a implementação da reforma tributária”, afirmou.
O secretário extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, fez uma apresentação com um resumo do projeto da regulamentação. Segundo ele, o texto enviado ao Congresso Nacional foi fruto do trabalho coletivo de representantes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. Ele disse ter certeza de que o trabalho conjunto proporcionou um texto melhor do que se tivesse sido feito apenas por representantes da União. O secretário também apontou que as exceções ao modelo de cobrança, os chamados regimes diferenciados, tornam o modelo mais complexo do que seria ideal.
Bernard Appy destacou, entre os méritos da reforma, o mecanismo de cashback, que é a devolução do imposto para as famílias de baixa renda. Segundo o secretário, trata-se de um mecanismo inovador, que segue as melhores práticas internacionais, sendo justo e eficiente. Como exemplo, ele disse que a devolução pode chegar a 100% da CBS e 20% do IBS para produtos como botijão de gás e contas de energia, água e gás encanado. Appy ainda ressaltou que o conjunto de isenções sobre produtos da cesta básica é outro ponto que vai beneficiar famílias de baixa renda.
De acordo com Appy, dentro do novo modelo, cada adquirente poderá usar um crédito à medida que o imposto correspondente tiver sido pago. Ele explicou que o modelo split payment (pagamento fracionado) do crédito vinculado ao recolhimento do tributo tem um efeito muito positivo sobre questões como sonegação, inadimplência e fraudes, inclusive dando a possibilidade de o governo optar por uma alíquota menor.
“Esse modelo tem o poder de reduzir fraudes como a nota fria, que é um problema recorrente no país. A reforma é importante porque corrige distorções, leva a um potencial de crescimento, reduz desigualdades regionais e tem um impacto distributivo positivo, favorecendo famílias de baixa renda. A regulamentação tem uma complexidade razoável, mas o modelo é muito mais justo do que o que temos” declarou Appy.
A consultora do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Melina Rocha, destacou que a reforma tributária pode colocar o Brasil entre os melhores modelos do mundo. Ela, que é especialista em imposto de valor agregado (IVA), afirmou que princípios como a não cumulatividade e a arrecadação no destino tornam o novo modelo muito moderno, justo e transparente. Segundo Melina Rocha, o Brasil também será pioneiro ao tributar os serviços financeiros de forma ampla pelo IVA (modelo de tributação no qual se enquadram a CBS, o IBS e o IS).
“Não há país mais tecnologicamente avançado em termos de administração tributária que o Brasil. Isso vai facilitar o modelo do split payment, que é um avanço”, registrou.
Para o secretário nacional de Meio Ambiente Urbano e Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente e Mudanças do Clima, Adalberto Felicio Maluf Filho, a reforma tributária é um grande avanço para o país. Ele disse, no entanto, que alguns ajustes poderiam tornar a matéria ainda melhor. Para Adalberto Maluf, a redução da bitributação nos produtos reciclados e a implantação de alíquotas diferenciadas para serviços ambientais de apoio à proteção dos serviços ecossistêmicos seriam medidas importantes para o meio ambiente e para a economia nacional, já que serviços como a reciclagem ajudam a movimentar a economia, principalmente entre famílias de baixa renda. Ele também defendeu a tributação diferenciada sobre o biodiesel e sugeriu um escalonamento de tributação para os agrotóxicos, conforme o grau de toxicidade do produto.
“Entendemos que a reforma representa um novo patamar de simplificação e desenvolvimento econômico e o Ministério do Meio Ambiente fica feliz em contribuir com o processo”, registrou.
O diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, Marcus Vinicius Caetano Pestana da Silva, apontou que a reforma tributária é necessária. Ele reconheceu que uma “reforma neutra” é complexa e não tem como prioridade o ajuste fiscal. Marcus Pestana, no entanto, disse que é preciso estimular que o Senado reflita sobre o tema no momento da regulamentação da reforma. Para o diretor da IFI, apesar de a reforma tributária trazer pontos positivos, é importante fazer um alerta sobre o número de exceções às regras gerais de tributação. Segundo ele, quanto maior o número de exceções, maior a alíquota de referência nacional, maior a complexidade do sistema de arrecadação e menores os efeitos sobre o crescimento econômico.
“É preciso pensar na economia brasileira e no contribuinte no abstrato e não nos interesses corporativos e setoriais”, registrou Pestana, que ainda pediu compromisso com a transparência e atenção com o período de transição.
O professor de direito tributário da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) Marcus Lívio Gomes apontou a contribuição coletiva como um vetor importante que permitiu a reforma tributária. Gomes, que é coordenador do Grupo de Trabalho de Especialistas para a Reforma do Processo Administrativo e Tributário pediu, entretanto, a atenção do Senado com outras iniciativas que poderão entrar em conflito com a regulamentação da reforma tributária. Ele citou como exemplo o projeto que atualiza as regras administrativas em matéria tributária (PLP 124/2022). Segundo ele, será necessário acertar potenciais conflitos entre essas normas. Para o professor e ex-juiz, também é preciso pensar em regras para os recursos ao comitê gestor e à Justiça.
A exemplo do que ocorreu na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), a audiência da CCJ faz parte de um ciclo de debates para ajudar os senadores no processo de regulamentação da matéria. Além das audiências na CCJ, serão realizadas duas sessões temáticas no Plenário.
Eduardo Braga lembrou a realização das outras 21 audiências públicas na CAE sobre a regulamentação da reforma tributária, o que mostraria a atenção que o Senado está direcionando ao assunto. Ele agradeceu a presença dos debatedores e anunciou uma nova audiência para esta quarta-feira (30), às 14h30, para discutir o impacto da reforma no setor produtivo. Os senadores Esperidião Amin (PP-SC), Marcelo Castro (MDB-PI) e Margareth Buzetti (PSD-MT) também acompanharam a audiência.
Fonte: Agência Senado