Voltei a esta coluna com uma polêmica que movimentou as redes sociais na última semana e, por sorte, não foi um “fuzuê” inútil. Dele, podemos tirar algumas boas lições. Perdão, as duzentas citadas nesse título foram um clickbait em homenagem à protagonista do alvoroço (que ácida!), mas listarei apenas algumas que considero mais importantes para empreendedoras, como eu.
Bom, se você não acompanhou essa história, pega a lã, a agulha e vamos tricotar. A treta envolve a influenciadora digital Virgínia Fonseca, uma das personalidades brasileiras mais seguidas no Instagram, segundo o Wikipedia. Sócia de uma empresa de cosméticos, ela lançou uma base de maquiagem. O furdunço, então, começou quando as pessoas ficaram sabendo o valor do produto: 200 reais.
Para quem não tem noção do porquê o preço da base chocou as pessoas, eu explico: Com 200 reais é possível comprar bases importadas de renome internacional, com qualidade comprovada e anos de mercado. No Brasil, poucos produtos nacionais chegam a essa média de preço.
Mas o preço por si não é, na minha opinião, o maior dos problemas. Acontece que as pessoas, em especial, as influenciadoras do mundo da beleza, começaram a testar a base e a qualidade do produto foi detonada, junto com a própria Virgínia, que recebeu uma enxurrada de críticas.
Vamos, então, às lições que tiro desse episódio.
Ao justificar o preço elevado da base, Virgínia usou o argumento de que o produto seria uma “revolução para o mercado nacional”, o que acabou provando-se uma inverdade. Talvez, há muitos anos a influenciadora não use maquiagem nacional, para saber que a qualidade dos produtos tem crescido exponencialmente, sem perder para marcas internacionais, em muitos aspectos.
Digo isso com a propriedade de uma ex-maquiadora e atual empresária do ramo que, há quase 15 anos, acompanha a evolução da indústria de cosméticos. É bem verdade que, no início desta minha caminhada, eu não conseguia encontrar sequer um pincel de esfumar fabricado em terras tupiniquins. De lá pra cá, muitas águas rolaram e, junto com a multiplicação de fabricantes nacionais, o sarrafo foi subindo e a qualidade aumentando. Hoje, muitas marcas brasileiras podem competir em pé de igualdade com indústrias estrangeiras.
Por isso, deduz-se que Virgínia pouco ou nada conhece do mercado em que resolveu investir os seus milhões.
Ser autoridade em um nicho requer muito mais do que apenas dinheiro. Quando Virgínia lança uma base, pode-se dizer que causa até estranheza, uma vez que ela nunca foi influenciadora de beleza, acumulando expertise sobre a área ao longo do tempo, compartilhando conhecimento e informação sobre o assunto aos seus seguidores.
Significa que, por não ser autoridade no nicho, ela não poderia lançar a sua base? De jeito nenhum. Contudo, considero que seria uma estratégia importante aliar-se a pessoas que o são, desde a formulação do produto até a sua divulgação. Talvez, se a empresa tivesse convidado influenciadoras de beleza para colaborarem com a criação da base, opinando sobre a cartela de cores, a fórmula, etc., o resultado final fosse um produto de maior qualidade. Afinal, elas são, de fato, e não por acaso, autoridades no assunto.
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Isso porque o nicho da beleza na internet é caracterizado por uma conduta diferenciada. Trata-se de uma comunidade muito comprometida com a sua audiência, por isso, de maneira geral, percebe-se um cuidado relevante nos testes que se faz dos produtos, sempre com um olhar crítico e transparente nas suas apresentações, seja no Instagram ou no Youtube. Diferentemente do nicho lifestyle e vlogueiro de Virgínia, que se pauta muito pelos clickbaites e pela publicidade de produtos que, não duvido, nunca seriam usados pelos influenciadores, não fosse o pagamento astronômico de suas publis (vide joguinhos e apostas que têm tomado conta desses perfis).
Para arrefecer os ânimos em torno do preço da base, Virgínia assegurou aos seus seguidores e potenciais leads que a sua base teria uma qualidade ímpar, com alta durabilidade, cobertura e resistência à água. Conforme as primeiras resenhas foram saindo, as influenciadores de beleza mostraram como essa promessa não era cumprida pelo produto, tornando os 200 reais injustificáveis.
Em mais uma tentativa de valorizar o seu lançamento, Virgínia argumentou que a base seria um “dermocosmético”. Ou seja, além de atuar como base, sua formulação também estaria carregada de ativos que tratam a pele. Além de termo ser, formalmente, duvidoso. Juridicamente, ele não se aplica. Logo, a internet descobriu que o produto foi cadastrado na Anvisa como um cosmético de grau 1 e que a concentração de ativos na base é ínfima, não sendo possível classificá-la como um cosmético que traz benefícios para a saúde da pele, mudando as suas característica (o que a colocaria no grau 2 da classificação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Se tem uma coisa que Virgínia sabe fazer, é o marketing dos seus produtos, que costumam bater recordes de vendas no lançamento. A (falta de) qualidade do produto acabou sendo, no entanto, o maior marketing da base, porém um marketing pra lá de negativo. Com isso, a empresa acabou tendo que recorrer a estratégias urgentes para escoar o produto, como “compre x, ganhe uma base”, e promoções relâmpago reduzindo o preço dela. Na verdade, acredito que o preço inicial serviria apenas para ancoragens de preço (De R$ 200 por R$ 99,90, por exemplo).
Fato é que é improvável que o marketing faça milagres por esse produto, tanto para a primeira compra, como para – e especialmente – a recompra.
Não importa o tamanho do seu negócio, em algum momento será preciso. Para Virgínia, essa gestão não passou de deboches em resposta às resenhas negativas e um absoluto descaso para com o descontentamento dos seus clientes e da sua audiência.
Se você não está preparada(o), o seu staff tem que estar. Se você está preparada(o), o seu staff também tem que estar. Não tem opção. Você precisa estar rodeada(o) de pessoas que vão contribuir para reduzir as chances do seu barco (a sua empresa) afundar. Neste caso, é evidente que Virgínia não teve, em todas as etapas do processo, profissionais competentes que pudessem guiá-la para explorar um nicho no qual ela não é autoridade e, depois, gerir a crise instalada. Aparentemente, o amadorismo reinou.
Os erros de Virgínia e sua empresa aconteceram desde o desenvolvimento até o posicionamento do produto e da marca. Com certeza, seria possível listar mais lições (quem sabe as duzentas do título?), mas as sete que você acabou de ler já nos dão referenciais importantes na condução dos nossos próprios negócios. Fato é que os erros sempre vão acontecer, mas o desafio é errar rápido e barato, ou seja, não permitir que esses erros se prolonguem no tempo e custem muito mais do que “apenas” dinheiro.