Cabe tudo dentro da poesia. O amor, a dor, a saudade e até o sonho. Cabe, também, a política. Sim, a inquietação, o protesto, o lamento. Ouvi um dia desses uma provocação da amiga e poeta Angélica Lúcio sobre a importância de se fazer poesia como forma de expressão política. Eu, que vez por outra me arrisco em versos sem me considerar poeta, admiro quem faz, mas não consigo misturar. Como trabalho com política, poesia para mim é fuga. Não curto nem mesmo ler poemas de cunho político, e passaria longe de um livro se este fosse o tema dele inteiro.
Gosto, apesar disso, quando sou pego, num arroubo, em meio a tantos poemas sobre a vida, a natureza, as coisas mais simples, por aquele descontentamento encravado no meio das páginas sem qualquer aviso prévio.
Acredito que meu professor, o poeta Hildeberto Barbosa Filho, quando publicou “O Solene sabor das coisas inúteis” (Ideia, 2020, 165p.), sofria a dor do país que já vivia a agonia de um desgoverno que muito prometeu sobre a economia, mas tudo fez ao contrário. O Brasil de Bolsonaro é o país da inflação, do desemprego e do povo que sofre calado. A seguir, o poema de Hildeberto que me tomou de assalto:
1968,
meus 15 anos.
2020,
meus 66.
Que mudou
na minha cidade?
Que mudou
no meu país?
Ontem meu coração
fez mudanças e se alegrou.
Meu país tão jovem
e tão antigo!
Onde os índios?
A água, a floresta,
a festa do povo?
Que país é este?
Não cresce no meu peito
com o amor, sempre
o que alimenta a vida.
Que preço devo pagar
para ser gente?
A palavra,
a bala, a Bíblia
se misturam no leito
de morte, na vida
do meu país.
Há um norte
que nunca quis:
o país calado.