Juro que adoraria falar de amenidades: da nova série que estou assistindo, de como o mar estava bonito hoje, dos planos para o pós-pandemia. Mas qualquer positividade arrisca ser tóxica quando morrem quase três mil pessoas por dia, por Covid-19, no Brasil. Parece que de uns tempos para cá precisamos pedir licença ou desculpas para comemorar qualquer fragmento de felicidade que seja – um aniversário, uma aprovação em um concurso, uma mudança de emprego, um casamento, um parente vacinado. É como se não houvesse mais espaço para ser feliz em um mundo em que perdemos gente como Wellington Pereira, diariamente, para o coronavírus.
Soube da sua morte ontem (19/03), ao final de uma aula remota. Nada mais simbólico, como diria um amigo meu informado nas mesmas circunstâncias. O filho de Sumé que se doutorou na prestigiada Universidade de Sorbonne (França), mas narrava suas aventuras pela vida com a modéstia de um menino, foi uma espécie de segundo alfabetizador de várias gerações. O professor-escritor nos ensinou a ler e escrever o jornalismo. Foi assim que nos levou a pesquisar no grupo de estudos que fundou (Grupecj), publicou nossas pesquisas em dezenas de livros, nos ensinou, também, a ensinar. Tudo com a generosidade dos grandes mestres. E quando morre um professor, um mestre como Wellington Pereira, o mundo fica um tanto mais escuro.
Porém, parafraseando Maiakóvski, não estamos alegres, é certo, mas também por que razão haveríamos de ficar somente tristes? Em meio ao mar agitado da pandemia, durante o cortejo que segui na tarde de hoje (20/03) – no qual pude rever, das janelas ou portas dos carros, tantos rostos queridos – senti um lampejo de esperança. No canteiro do girador em frente ao antigo Departamento de Comunicação da Universidade Federal da Paraíba (DECOM/UFPB), no qual WP viveu parte de sua história, um homem segurava uma placa, sozinho, em pé, com os seguintes dizeres: “afeto, paz e saúde”. Era um dos seus alunos.
A saudação foi uma das mais ditas por Wellington Pereira desde que o conheci. Inclusive, mais recentemente, vinha introduzida por um bom dia e publicada quase diariamente nas redes sociais do professor, espécie de janela pela qual observava os “transeuntes virtuais”. Tal mantra, repetido de forma quase metódica durante tantos anos, anunciava tudo aquilo de que sempre precisamos e antecipava aquilo que agora nos faz falta como nunca. Ler aquele verso proferido por outra pessoa, que não Wellington, mostra por que ele é imortal: segue como pontos de luz, espalhados por Sumé, por Paris ou João Pessoa, nas areias da praia do Cabo Branco, nas salas de aula, redações de jornais, becos de universidades, dentro e fora de nós.
Em sua última postagem no Facebook na terça-feira (16/03), Wellington deu mais uma aula de esperança ao anunciar que se ausentaria por um tempinho do mundo virtual, para o qual esperava voltar com saúde. Mesmo ciente dos severos problemas que poderiam agravar seu quadro clínico, acreditava na cura e na vida, do alto da sua razão sensível, na imortalidade dos seus afetos.
Ver suas palavras reverberando, nas ruas e nas redes, e sentir o acolhimento entre tantos que cruzaram o seu caminho preencheram, de algum modo, um vazio deixado por alguém que sempre entendeu a metafísica das coisas. Por alguns instantes, quase me senti contente, se é que temos o direito de sê-lo em meio a uma pandemia e à despedida de alguém como ele. Que a esperança um dia vença o medo e que a gente consiga transcender a dor, o luto e a raiva com a nobreza dos seus ensinamentos e da sua poesia. Afeto, paz e saúde a todos! Wellington presente!
P.S.: Meus mais sinceros sentimentos à mãe de Wellington, que se despediu de dois filhos em uma semana, à sua amada companheira Lurdinha e à filha deles, Bia. Minha solidariedade a todas as outras famílias que perderam alguém para a Covid-19.