Em janeiro 17 de 2021, aqui no Brasil, tivemos a notícia alvissareira da primeira pessoa a ser vacinada: profissional de saúde, mulher e negra. Passados 66 dias da primeira aplicação da vacina, justamente em 24 de março de 2021, lamentavelmente, atingimos o número de 300 mil mortes em nosso país. Por trás desses números – que podem servir como cruzamentos de forma dinâmica para múltiplas avaliações em inteligência artificial; estão mimetizadas as histórias de vida das pessoas que morreram entubadas em busca de oxigênio como se tivessem levado um soco no estômago seguidamente sem direito ao grito.
Segundo os entendidos, os fatores que levaram a esse número catastrófico estão, entre outros, a combinação dos três seguintes: a velocidade em marcha lenta da vacinação, o surgimento de muitas novas variantes e a sincronização das fases da pandemia em todo território nacional.
Não obstante a capacidade do Sistema único de Saúde – SUS em possuir estrutura, pessoal e expertise com capilaridade territorial para vacinar 70% da população (150 milhões) em 90 dias, não foi logrado êxito; pois não se conseguiu passar de 2% (4,6 milhões) de pessoas vacinadas, isso se deve a pouca quantidade de vacina a nosso dispor, haja vista exigir capacidade de construção de política internacional dos nossos governantes, especialmente com os centros produtores de tecnologia e insumos como China, Índia e Rússia, sem prejuízo das relações com a Europa e os Estados Unidos.
Isso provoca uma marcha lenta na velocidade da vacinação, dando chance ao vírus, nosso único inimigo; para que o mesmo possa circular numa quantidade adequada, atingindo um número maior de pessoas e fazendo surgir muitas novas variantes num processo de aprimoramento cada vez mais sofisticado, desenvolvendo sua capacidade de não ser identificado pelo hospedeiro e escapulindo do seu sistema de vigilância; como também, desenvolvendo maior capacidade de encaixe para adentrar nas células do hospedeiro a ser infectado, aumentando sua taxa de transmissibilidade e se tornando mais agressivo.
Acrescido a esses dois fatores, some-se o fato de que a pandemia em nosso país se encontra numa fase semelhante em todo o território nacional, caracterizada pelo aumento de novos casos, aumento de óbitos, aumento de internações, equipes de profissionais de saúde em exaustão, estoques limitados de medicamentos e insumos e rede hospitalar pública e privada com ocupação de leitos em mais de 90% de sua capacidade instalada. Essa homogeneidade dificulta controle da pandemia.
Vacinação lenta, novas variantes mais transmissíveis e agressivas e homogeneidade da pandemia na maioria dos municípios e estados da federação levam a uma sensação de descontrole, gerando mal estar e desconforto sob vários aspectos à população brasileira, inclusive fazendo com que muitos cientistas passem a afirmar que o Brasil está se transformando num estuário do vírus para o restante do planeta e requerendo dos governantes o exercício da liderança em defesa da vida.
Assim, para conter a alta velocidade da circulação do vírus, precisamos fazer o que o mundo todo já fez nessa seara, ou seja, combinar o aumento da velocidade da vacinação, adquirindo maiores quantidades para massificá-la; com a adoção de medidas restritivas de circulação de pessoas, bancando com recursos dos orçamentos públicos das três esferas de governo os custos suportados pelos mais pobres e pelos segmentos econômicos mais atingidos, sem medo de mostrar a nossa estupenda desigualdade social, assumindo-a e imitando o bom exemplo do governo dos Estados Unidos Joe Biden, em dispor de recursos generosos para os mais necessitados.
Pois somente apostar na estratégia da vacinação é muito temerário diante do cenário que está estabelecido, especialmente pela presença das novas variantes, muito embora essas novas variantes ainda não apresentem resistência às vacinas já desenvolvidas.
O cenário pandêmico vislumbra um pano de fundo em retalhos ainda não assumido pela sociedade brasileira, notadamente quem a comanda, que é o tamanho da nossa desigualdade em todos os sentidos, expressa no baixo financiamento do SUS, na dificuldade de acesso à saúde e às políticas públicas em geral.
Tanto é assim que as mortes por covid-19 no Brasil pintam uma tela em que prevalecem os traços dos mais pobres e a resistência dos negros. Esse quadro expressa o quão antidemocrática é a pandemia da covid-19, ao contrário do que se dizia em seu início. Como sabemos, em toda e qualquer guerra, quem mais morre são os pobres e os negros.