Advogado graduado pela Unisinos (2008) e sócio do escritório Félix, Floriano & Rondon Advogados Associados, foi assessor jurídico do Coren-RS (2015-2019) e consultor Unesco junto à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (2013-2014).
Advogado graduado pela Unisinos (2008) e sócio do escritório Félix, Floriano & Rondon Advogados Associados, foi assessor jurídico do Coren-RS (2015-2019) e consultor Unesco junto à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (2013-2014).
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A República de Itararé
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Jair Bolsonaro prometeu equipe técnica de ministros e tem acumulado crises nas suas escolhas (Foto: Marcos Corrêa/PR)

Itararé é uma cidade de 50 mil habitantes, interior de São Paulo, divisa com o Paraná. Lá, Bolsonaro fez 74% dos votos no segundo turno presidencial de 2018.

A fama que persegue Itararé ao longo da história é por um não-acontecimento: enquanto Getúlio Vargas rumava de trem para o Rio de Janeiro nos dias da Revolução de 1930, corria a notícia de que uma “batalha sangrenta” se armava em Itararé entre as tropas fiéis a Washington Luis e as da Aliança Liberal de Vargas, que subiam rumo ao Rio pra tomar o governo. Só que como tudo no Brasil, a Batalha de Itararé não chegou a acontecer: antes, as partes fizeram um grande acordo, distribuindo cargos, anistias e afins. Em razão desse episódio, o genial humorista Aparício Torelly passou a se denominar Barão de Itararé.

Em 2018, os munícipes de Itararé e quase todas as cidades do Sul/Sudeste no país votaram em peso pra eleger um Presidente da República cuja marca central era a negação: da política, do conhecimento, das políticas públicas, das conquistas sociais, da democracia, dos Direitos Humanos. O próprio Bolsonaro deixa claro que sua função não era construir, mas destruir o que na torpe compreensão dele representaria a degeneração. A política de educação se restringe a desmontar uma suposta máquina de doutrinação comunogayzista; na saúde, desmontar programas de reconhecimento mundial no combate à AIDS, desmontar o Mais Médicos, que garantia a presença de médicos (seja no Brasil profundo, seja mesmo em regiões metropolitanas); na área ambiental, da mesma forma, a preocupação sempre foi liberar o desmatamento e a queimada. Embora seu discurso militarista-moralista seja de desmontar as políticas do período pós ditadura, seu governo empreende, em especial a partir do Sr Paulo Guedes, uma política sistemática de destruição das políticas iniciadas lá atrás, com a antes mencionada Revolução de 1930.

Logo, o grande objetivo do Governo Bolsonaro sempre foi não-governar. Nessa perspectiva, por mais que se possa eventualmente discursar sobre meritocracia, governo técnico ou afins, as condições para qualquer resquício de técnica não estão colocadas e seriam a negação essencial do sentido da eleição de Bolsonaro.

Não à toa, o “Ministério Técnico” é formado por um amontoado de pessoas obscuras, sobre os quais jamais havíamos ouvido falar. Todos de uma incompetência comovente, mas com apelos permanentes à agitação das redes sociais. Assim foram se tornando celebridades figuras bizarras como Damares, Weintraub, Ricardo Salles. O bajulado Paulo Guedes jamais foi um economista presente no debate público, que era uma característica dos ministros da Fazenda do recente período democrático: quem já ouvira falar dele, era sobre um sujeito acostumado a ganhar dinheiro (o que pode até ser um critério de sucesso privado, mas não indica que trará contribuição relevante para o interesse público). O General Heleno, responsável pela “inteligência” e por proteger o Presidente, se caracteriza também mais pelas mancadas colossais do que por sua competência.

Sempre que Bolsonaro precisou trocar seus comandados, foi consolidando a regra: o próximo será pior. De um medíocre médico ligado aos planos de saúde que virou herói nacional por ser apenas razoável, Bolsonaro chegou em plena pandemia a um curioso arranjo de não ter Ministro da Saúde, deixando um militar “especialista em logística” à frente de um Ministério eternamente interino. Embora supostamente entenda de logística, Pazzuello não sabe onde passa a Linha do Equador! O sentido “estratégico” dele no Ministério não se cumpre também porque a União não entrega absolutamente nada aos Estados e Municípios. Se entende de logística, o General da Saúde seria mais útil num cargo executivo da Amazon, que certamente tem feito mais entregas na eterna quarentena brasileira (que, como a Batalha de Itararé, também não chegou a existir).

Nos últimos dias, porém, o Governo Bolsonaro avançou na marcha de não-ser, de empilhar não-acontecimentos.

O primeiro e mais grave foi escolher para o lugar do barulhento Weintraub o economista Decotelli, de jeito aparentemente simpático e um currículo recheado de fraudes: ele é pós-doutor sem ter sido, não concluiu o Doutourado que consta do lattes, sua dissertação é impugnada porque um enorme trecho seria plagiado; não bastasse, a Marinha informa que ele prestou serviço temporário, não sendo exatamente um militar da reserva como anunciado, enquanto a FGV negou que ele tenha composto seus quadros como professor. Ou seja, Bolsonaro conseguiu achar entre seus quadros um Não-Ministro para   a educação. Que foi sem ter sido: anunciado, teve a posse adiada e pediu demissão sem ter assumido.

No mesmo dia 30 que fechava o agitado mês de junho (quarto mês completo de pandemia no segundo pior lugar do mundo para se estar no tocante a isso daí), descobrimos ainda que a Família Bolsonaro conseguiu até “adotar” um cachorro que tinha dono! O queridíssimo cão que escapou de casa atrás de uma cadela no cio acabou raptado/adotado pela primeira-dama, que o anunciou num momento de fofura que seria desmentido no dia seguinte.

Mas raptar cão é o menor dos problemas: a Primeira-dama foi beneficiária de depósitos feitos pelo Queiróz, que curiosamente era escondido como foragido antes de ser. A fervura em torno da rachadinha no gabinete do então Deputado Flávio Bolsonaro baixou por uns dias porque o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro retirou o processo do seu juiz natural, reconhecendo um Foro Especial por prerrogativa de função que o Filho 01 não tem! Aqui também, a única coisa real é a rachadinha.

Como se percebe, o Brasil que já foi República do Galeão e República de Curitiba parece agora a República de Itararé (até porque, se olhar pra República com o mesmo cuidado que se olhou o lattes do Decotelli, veremos que nem República somos ainda).

A única coisa que espero sinceramente que não se repita do famoso não-acontecimento: que termine tudo em mais um grande acordo, onde os principais interessados conseguem chegar combinar pra deixar tudo pra depois. Esse desfecho da Batalha de Itararé 4.0 só não terá esse destino, arrisco dizer, se Bolsonaro não quiser ceder um pouquinho mais, demonstrando aqueles sinais de moderação que nossa elite tanto gosta de enxergar (aqui também, uma moderação que, como quase tudo, não existe).

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