Jornalista, fotógrafo e consultor. Mestre em Computação, Comunicação e Artes pela UFPB. Escreve desde poemas a ensaios sobre política. É editor no Termômetro da Política e autor do livro infantil "O burrinho e a troca dos brinquedos". Twitter: @gesteira.
Jornalista, fotógrafo e consultor. Mestre em Computação, Comunicação e Artes pela UFPB. Escreve desde poemas a ensaios sobre política. É editor no Termômetro da Política e autor do livro infantil "O burrinho e a troca dos brinquedos". Twitter: @gesteira.
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Abraço coletivo
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A crise com a contratação de Cuca para o cargo de técnico era prevista até mesmo pelo presidente do Corinthians, Duílio Alves. Tanto que antes de anunciar o novo técnico houve uma varredura por parte do jurídico do clube para chancelar a suposta inocência do treinador no caso do estupro de uma adolescente em Berna, na Suíça, em 1987. Eles sabiam que haveria uma revolta por parte da torcida assim que Cuca fosse confirmado, o que não esperavam era uma reviravolta no caso. A vítima reconheceu o brasileiro como agressor e a investigação revelou que havia sêmen dele no corpo da vítima.

Jogadores do Corinthians abraçam Cuca na comemoração do gol (Foto: Reprodução)

De tudo sobre o caso, desde os primeiros protestos da torcida até a saída de Cuca, o que mais me chamou atenção foi um trecho de sua fala, na coletiva de imprensa logo após a vitória sobre o Remo e classificação para as oitavas de final da Copa do Brasil, quando disse que nada havia mudado ao longo desse tempo em que trabalha no futebol. “(…) ao longo de todos esses anos que vivo na bola, já trabalhei com vocês da imprensa, já estive em diversos clubes, já estive duas vezes no São Paulo, no Santos e no Palmeiras. Nunca me foi perguntado isso numa coletiva, não é só o Cuca que não falou do tema. Por quê? Porque naquele tempo as leis eram as mesmas”, disse Cuca.

A fala dele naturaliza o comportamento daqueles que habitam em seu entorno profissional: torcedores, dirigentes, jogadores, comissões técnicas e, principalmente, jornalistas. E aqui me atenho a dois pontos. O primeiro é pensar como todos esses atores acima descritos conviviam, conforme relata o próprio técnico, em seu convívio profissional, diariamente, e naturalizavam o passado como se nada tivesse acontecido. Cuca vivia até então com o respaldo de ser um dos melhores do país na função.

Na manhã dessa quinta-feira (27), dia seguinte após a demissão de Cuca, o jornalista Eric Faria, da Rede Globo, fez um pronunciamento público sobre o caso, admitindo o erro como profissional. “Nós, homens, jornalistas esportivos, fracassamos. E não adianta se esconder com ‘ah, o mundo era outro’. Estupro sempre foi crime. Hoje. Ontem. Na década de 80. E durante 40 anos, nós convivemos com esse fato e nunca fizemos nada. Convivemos com Cuca que já havia sido condenado em 1989. Eu nunca perguntei ao Cuca sobre isso. Também nunca foi cobrado para fazer. E a sociedade espera que jornalistas coloquem luz sobre fatos. Investigue. Mostre. Reporte. E não fizemos. Então, eu só tenho que admitir que errei como jornalista. Errei. E antes de exigir que qualquer pessoa se desculpe, eu preciso fazer antes. Como jornalista, peço desculpas por jamais ter me preocupado com o tema.”, publicou Eric Faria em seu perfil na rede social Twitter. 

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O segundo ponto diz respeito exatamente a como foi diferente no Corinthians. Não estamos falando aqui de um clube qualquer, mas daquele que está registrado na história pela luta contra o regime militar durante a ditadura no Brasil. O movimento Democracia Corintiana não se limitava a dar voz dentro do clube a todos aqueles que dele fizessem parte, mas ultrapassava seus limites ao defender a liberdade de todos os brasileiros. Da mesma forma, o movimento atual Respeita as Minas, lançado pelo Corinthians, não podia ser apenas uma marca para vender camisas. E foi com base neste último que o time feminino rechaçou a contratação de Cuca.

Não havia sustentação para Cuca no Corinthians. O episódio é interessante para nos fazer pensar sobre a força da pressão social, e o quanto falhamos coletivamente enquanto sociedade quando naturalizamos criminosos e esquecemos seus feitos, deixando que eles convivam entre nós como se nada tivesse acontecido e sem que respondam devidamente. Não é o caso de condenar eternamente, a questão é que Cuca não admite o erro. Foi condenado e não pagou pelo crime. Se em vez de ter dito ser inocente, sem conseguir provar sua inocência, tivesse admitido o crime e respondido por ele, seria uma mancha na carreira, mas ninguém poderia julgá-lo para sempre por um mesmo erro. Na partida de quarta-feira, Cuca provavelmente já havia comunicado aos jogadores sua decisão de deixar o time. O abraço coletivo na comemoração do gol é o exemplo de como homens se protegem e quão longe estamos de um estado de justiça e paz social.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 28 de abril de 2023 do Jornal A União.

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