Anderson Pires é formado em Comunicação Social – Jornalismo pela UFPB, publicitário e cozinheiro.
Anderson Pires é formado em Comunicação Social – Jornalismo pela UFPB, publicitário e cozinheiro.
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Ainda bem que pude ser pai
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Foto: Anderson Pires

A paternidade é uma construção afetiva e social. Não é um fato como alguns interpretam. Ser pai pode ser uma condição genética ou civil, mas não significa a formação de laços e a troca de amor verdadeiro.

Existe uma diferença muito significativa entre a relação de parentalidade e paternidade. Talvez, more aí grande parte dos traumas que muitos carregam pela vida. Porque existe um processo de idealização em que o pai é paternal, como se fosse uma condição natural obrigatória, em que laços genéticos estabelecem sentimentos nobres de amor, altruísmo, responsabilidade, prioridade e dedicação.

A verdade não é bem essa. Sobram exemplos em que a paternidade não se estabelece efetivamente. Se compararmos com as mães, existe uma desproporção gigantesca de muito mais pais que se desvencilham desses valores que deveriam ser inerentes em relação aos filhos.

De certa forma, essa relação desigual se perpetua. Com algumas pequenas mudanças ao longo do tempo, mas a sociedade é extremamente injusta no que diz respeito as expectativas e cobranças morais entre homens e mulheres, no tocante ao cuidar e à responsabilidade em relação a criação dos filhos.

Alguns homens simplesmente absorvem e reproduzem essas práticas. Outros conseguem avançar e desconstruir, e ainda tem aqueles que criam referências tão negativas em relação à paternidade, que acreditam não quererem ser pais. 

Por muito tempo, me coloquei nessa última categoria. Da mesma forma que acreditei não querer ser pai, também estabeleci uma repulsa em torno do casamento. Já que são situações praticamente intrínsecas: casamento, família, pai, mãe e filhos.

Mas existem sentimentos que são tão complexos, que parecem ir além das questões terrenas. Essa necessidade ultrapassa as situações práticas da vida: estudo, trabalho, grana, bens, viagens e mais um bocado de coisas que são estritamente objetivas, mas que podem, em algum momento, parecerem incompletas.

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Não tem como afirmar com precisão, porém, por algum motivo, vazios começam a tomar uma proporção maior e essas lacunas pedem para serem preenchidas. Não que isso seja uma regra. Existem pessoas que se bastam. Mas as que sentem essa necessidade de ir além do pragmatismo, buscam preencher com sentimentos. Compartilhar a vida se torna quase que uma necessidade premente.

Nesse contexto, até os céticos como eu se deparam com o dilema da família e paternidade. E ainda, mesmo rendidos a essa vontade inexplicável, podemos criar alguns novos dilemas, como transferir traumas da relação malsucedida entre pai e filho, estabelecer vontades baseadas nos medos e dizer: eu quero ter uma filha. Ter um filho homem implicaria numa relação mais difícil, chata e menos carinhosa.

Pois é, mas isso é parte dos traumas primários dos quais já falei em outro texto. Minha referência de relação pai e filho não remete a boas sensações. Logo, diante da vontade de ter uma família e ser pai, os resquícios de medo precisavam ser alimentados de alguma forma, sobrou para o gênero de uma pessoa que nem nasceu e já carregava o peso de pré-julgamentos.

Mas a vida é foda. Ela adora dar lições e bater na nossa cara com oportunidades de crescimento, de rever erros e traumas. Depois de resistir ao casamento, de dizer que não queria ser pai, de afirmar que preferia uma filha, o destino me manda um filho, o Bento. Como mágica, destruiu todos os obstáculos que criei e me abriu para o sentimento mais forte que já senti na vida.

No primeiro momento em que me deparei com ele, percebi que veio para quebrar todas as minhas resistências. Chegou para mostrar que o senso de paternidade poderia ser tão forte, que o senti tão meu, que amar e fazer por ele era ao mesmo tempo fazer por mim. O medo de ser pai e de reproduzir padrões que não me fizeram bem e, consequentemente, magoá-lo, tomou um formato completamente diferente.

Dali pra frente, aquele seria meu maior desafio. Mostrar que padrões podem ser quebrados e que a paternidade é muito mais do que ser pai. Bento veio para me dar uma chance de crescimento. Mostrar que a vida pode nos ensinar a ser bem melhor do que os exemplos de afetividade que tivemos.

Hoje, me vejo em um novo dilema. A paternidade exige ponderação e desprendimento. Porque dentro de nós existe espaço para outros amores fortes e intensos. Também, porque é preciso entender que a relação pai e filho não pode ser de posse ou dependência emocional, e isso vale para outras formas de relacionamento. 

Em suma, ser pai é a maior oportunidade que temos de aprendizado. Não só a relação privada familiar, vai muito além. É o laboratório mais intenso para construção de valores que podemos reproduzir para sociedade.

Já a paternidade, essa deveria ser o grande exercício de empatia, de extrapolação e doação que podemos ter na vida. A oportunidade mais excepcional de entendermos que o egoísmo é um sentimento desprezível e que dele não iremos colher nada.

Quando penso no quanto gosto de ser pai, de como sou grato pela oportunidade de ter um filho, que me deu a chance de ter uma relação que em nada se assemelha com a referência que tinha, agradeço profundamente pelo privilégio que é a paternidade.

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