Um dos maiores nomes do fotojornalismo nos deixou nesta semana. Os registros fotográficos de Evandro Teixeira contam um pouco da história do Brasil de forma que, não fosse a prova fotográfica como documento, talvez a narrativa em defesa da democracia não tivesse tanto impacto no caminho para a redemocratização do país.
Para além do artista e de sua obra – separados -, há as nuances da convivência. Tive a sorte de aprender sobre fotografia com o próprio, quando esteve em João Pessoa ministrando uma oficina prática. Ensinamento não tem preço, e não foi só sobre fotografia, aprendi também sobre jornalismo. Nesse brevíssimo período de sua estada, pude também entrevistá-lo. O texto foi publicado na edição de 8 de janeiro de 2014 do jornal A União. A lição sobre valorizar cada pauta e acreditar no próprio trabalho, por mais simples que seja, eu carrego comigo até hoje. Obrigado, mestre! Segue a entrevista:
Quando a história de um profissional se torna parte relevante da história de seu país, este pode se considerar imortalizado. Assim é o magnífico trabalho do repórter fotográfico Evandro Teixeira, brasileiro nascido no município de Irajuba, interior da Bahia, que se tornou um dos mais importantes fotógrafos do mundo, ao lado de nomes como Sebastião Salgado, Robert Capa e Henri Cartier-Bresson.
Teixeira ficou conhecido nas páginas do extinto Jornal do Brasil. Viajou pelo mundo, mas foi aqui onde produziu suas imagens mais famosas. Foi um dos jornalistas que mais lutou contra o regime militar. É autor de fotografias consagradas como a da passeata dos cem mil, em 1968, capa do JB, e também de outras com menor teor político, como a ‘piscada’ de Ayrton Senna no cockpit do seu fórmula 1.
Hoje, Dia do Fotógrafo, o jornal A União homenageia todos os profissionais da imagem com uma entrevista inédita deste que é considerado o maior repórter fotográfico brasileiro. Autor de “1968 Destinos 2008 – Passeata dos Cem Mil” (7 Letras, 2008, 120 páginas) e das fotos produzidas para a edição especial de 70 anos de “Vidas Secas” (Graciliano Ramos, Record, 2008, 208 páginas), Teixeira fala de suas motivações, da carreira e da paixão pela fotografia.
Quando você se viu apaixonado pela fotografia?
Essa paixão pela fotografia veio da minha infância. Eu acho que nasci apaixonado pela fotografia. Até me pergunto como me apaixonei pela fotografia, porque onde nasci não existia nada, era só rádio. Não existia jornal. Era um vilarejo. Quando criança eu queria ser aviador, tinha um primo que foi aviador na Segunda Guerra. Então meu tio que morou em São Paulo me deu uma pequena câmera fotográfica, e a história começou aí. Em Jequié e Ipiaú (municípios do interior da Bahia) estudei fotografia com os tios do Glauber Rocha e com o Walter Lessa. Depois o Zé Medeiros chegou na minha vida com o seu curso na revista “A Cigarra”, aí eu fiquei apaixonado. Fui para Salvador continuar os estudos e estudei com outro tio do Glauber Rocha. E aí a fotografia continuou na minha vida. Depois entrei no Jornal do Brasil onde pude ter essa visibilidade maior do mundo. O Jornal do Brasil proporcionava isso. Foi um dos mais importantes jornais do país e me levou a conhecer o mundo. Olimpíadas, Copas do Mundo, política, a Copa de 1970 com Pelé e Garrincha, eternos astros do futebol brasileiro. Acho que minha vida de viajante e ‘fotógrafo-viajante’ continua até hoje.
É verdade que o Jornalismo vicia?
É um grande vício! (risos). Tanto é que já tive convite para outras coisas, em outros lugares do mundo, e fico aqui no Brasil. Eu não tiro férias, minhas férias passo fotografando. Junto o útil ao agradável. É um eterno aprendizado. Às vezes as pessoas me perguntam: “Evandro, se você ganhasse na ‘Loto’ faria o quê?”, e eu digo: Fotógrafo! Me tornaria o maior fotógrafo do Brasil, porque aí eu teria condições de viajar construindo meus projetos. Normalmente tem que ir atrás de patrocínio, Lei Rouanet. Eu queria ser mais fotógrafo do que eu sou. Essa paixão é eterna e vai me levar até até, até, até, até (sic).
Como você vê o novo fotojornalismo brasileiro?
Veja bem, é claro que o mundo mudou, as coisas mudaram, e o jornalismo também, com o surgimento da Internet e das agências internacionais. Até um certo tempo essas agências como Reuters, Associated Press, France Press (AFP), não podiam publicar suas fotografias no Brasil, mesmo as feitas por seus correspondentes. Elas eram feitas no Brasil e enviadas para o exterior. No Rio de Janeiro, por exemplo, os fotógrafos das agências só poderiam publicar fora. Hoje não, eles competem. E nós tínhamos 19 jornais no Rio, hoje temos dois. Essa coisa ficou deteriorada. Com o surgimento da digital, hoje todo mundo é fotógrafo de jornal. Você faz uma foto na esquina, manda pelo celular e o jornal publica. Os empresários querem menos custos e essa mão-de-obra deixou de existir. Determinados jornais tinham 40 e tantos fotógrafos e passaram a ter cinco. Isso é ruim para o jornalismo e para a fotografia de um modo geral. Mas a fotografia brasileira é uma das mais importantes do mundo, não deve nada a ninguém, americano, inglês, o diabo! A fotografia da Paraíba é surpreendente. O que falta no Brasil é um maior intercâmbio.
Quando um jornal publica qualquer foto enviada por um leitor, essa questão editorial prejudica o fotojornalismo?
Claro! A qualidade deixa de existir. Antes os jornais mandavam fazer coberturas de casamentos, de eventos, enfim. Hoje tem tudo de graça lá jogado. Se o cabeleireiro está penteando uma atriz famosa e ele mesmo clica com aquelas ‘cameretas’ digitais, o jornal vai mandar um profissional fazer isso? Essa coisa se tornou muito perigosa. Perdemos muito.
Qual foi a pauta mais importante da sua vida?
Fiz grandes coberturas no Brasil e no mundo. Fiz uma cobertura muito perigosa, muito dramática, que foi aquele massacre da Guiana Inglesa, quando o pastor fanático, Jim Jones, envenenou mais de 900 americanos na selva da Guiana Inglesa. Mas um dos momentos mais importantes da minha vida foi no golpe militar do Chile, especialmente a morte do poeta Pablo Neruda. Éramos mil jornalistas credenciados e eu tive a honra, prazer e tristeza ao mesmo tempo de ser o único jornalista no mundo a vê-lo e fotografá-lo morto, com exclusividade. O momento do seu caixão entrando no túmulo me levou às lágrimas.
Como repórter fotográfico você é um agente que também constrói a história?
Acho que sim. A fotografia tem esse papel importante de registrar os fatos do mundo. Assim foi com Robert Capa na Guerra Civil Espanhola, a foto da menina atingida por napalm na Guerra do Vietnã feita por Nick Ut, aquele fotógrafo famoso, e assim dezenas de outras fotos com denúncias que temos pelo Brasil. A fotografia tem esse papel importante de informar e transmitir aquilo que está acontecendo.
No jornalismo os repórteres fotográficos reclamam das pautas ‘chatas’, como os eventos. O que você achava chato de se fazer?
Eu acho que tudo é importante, o profissional é que tem que valorizar. Ele é que tem que dar importância ao seu trabalho, valorizar sua pauta. Ele não pode sair da Redação pensando “pô, vou fazer a foto daquele buraco, é chato, horroroso!”. Ele precisa acreditar! Quantas vezes eu não vi um buraco, uma coisa chata, se tornar uma matéria grandiosa? A pessoa precisa acreditar no trabalho, e a partir daí a importância se torna muito maior.
Tem alguma história de uma foto sua que virou notícia?
Muitas. A foto do “68 destinos” (1968 Destinos 2008 – Passeata dos Cem Mil), aquela do “Abaixo a Ditadura, Povo no Poder”, foi censurada no dia da passeata. Os militares não permitiram que ela fosse publicada. Depois ela se tornou parte da história do Brasil. O papel do fotojornalista é esse, de informar.
Você é o repórter fotográfico que melhor registrou o regime militar. Como você analisa esse material?
Cada um tem o seu papel, cada um pensa diferente. Naquele momento eu estava contra a ditadura. Como eu não podia subir em um palanque pra falar, não era líder como Vladimir (Palmeira) e tantos outros que deram a vida contra aquela coisa toda, alguns morreram, outros foram massacrados, meu papel era usando meu olhar. Procurei sempre acreditar e ter força para resistir. Tive um colega do JB, Alberto Jacob, que foi massacrado na missa do Edson Luís, um momento terrível. A cavalaria chegou destruindo tudo com espadas e bombas de gás. O Jacob ficou arrebentado, quase três meses hospitalizado. Então eu sempre acreditei na minha força, no meu olhar contra aquilo tudo. Hoje a minha fotografia está servindo para aqueles que não viveram ou não conheceram a ditadura no Brasil.
Muitas fotos eram censuradas. O que você fazia para salvar essas imagens?
Isso acontecia sempre. Sabendo da censura a gente construía uma duplicata dos negativos. Eles diziam “queremos os negativos”, e isso era uma ordem. Como aquilo tinha sido feito no laboratório, o original era escondido. Eles pegavam tudo, as cópias e os negativos, e destruíam ali mesmo. Tocavam fogo ou cortavam tudo e jogavam no lixo. O papel deles infelizmente era aquele, e o nosso era de tentar salvar aquilo que iria mostrar a realidade da ditadura no Brasil.