Tiago Germano é autor da coletânea de crônicas Demônios Domésticos (Le Chien, 2017), indicada ao Jabuti, e do romance A Mulher Faminta (Moinhos, 2018). Seu último trabalho é o volume de contos Catálogo de Pequenas Espécies (Caos e Letras, 2021).
Tiago Germano é autor da coletânea de crônicas Demônios Domésticos (Le Chien, 2017), indicada ao Jabuti, e do romance A Mulher Faminta (Moinhos, 2018). Seu último trabalho é o volume de contos Catálogo de Pequenas Espécies (Caos e Letras, 2021).
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Bolsonaro não estudou português
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(Foto: Reprodução/TV Globo)

Recentemente, o meu amigo Phelipe Caldas, escritor, jornalista e militante, transformou o seu aniversário de 40 anos num ato político. Reuniu os amigos no Centro Histórico de João Pessoa e, vestido de vermelho, convidou os amigos prum samba dançante e declarou seu apoio a Lula como candidato à presidência.

Por mais surreal que pareça, se um homem tivesse invadido aquela festa, disparado sua arma contra Phelipão aos gritos de “Aqui é Bolsonaro, p…!”, e meu amigo tivesse morrido, a polícia não consideraria o crime como um ato de motivação política, ainda que fosse Lula, e não a galinha pintadinha, o tema da festa.

Foi o que aconteceu com Marcelo Arruda, tesoureiro do PT em Foz do Iguaçu. Um pai de família — é importante que se diga —, trabalhador, morto por um desses “cidadãos de bem” que, a pretexto de defender o conceito deturpado que faz desses mesmos valores, matou e quase morreu em prol de seu líder fanático.

Questionado por uma repórter sobre a relação entre o discurso de ódio que apregoa e o assassinato, Bolsonaro fez o que se esperava dele: foi cínico e humilhou a jornalista, no exercício de sua profissão. “Você não estudou português? Não sabe o que é sentido figurado?” Questionado no Twitter por Zélia Duncan, que se equivocou dizendo que o presidente ameaçou “fuzilar a petralhada no Acre” com um fuzil em mãos, debochou: lembrou que era um tripé. E perguntou se o violão da cantora não era uma AK-47.

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Não vou culpar uma colega artista e uma colega jornalista — ambas mulheres, público que Bolsonaro adora constranger — por não terem dado a resposta que o presidente tanto merecia. Como não culparia a vítima Marcelo Arruda pela sua própria morte — o que, acreditem, eu ouvi no über, e a gente lê nas entrelinhas, toda vez que equiparam o terrorismo praticado pela extrema-direita deste país ao “radicalismo” da esquerda (quando a esquerda, nestes casos, perdoem-me por ser direto, são sempre defuntos como Marcelo Arruda e Marielle Costa, pessoas que são alvos de assassinatos e emboscadas, mortos quase sem chance de defesa).

Mas como escritor, jornalista e doutor em Letras, acho que devo tentar exercitar uma resposta para Bolsonaro. Tentar desenhar a coisa, para alguém que evidentemente não estudou português.

Se eu digo “Bolsonaro é um cavalo batizado”, isso é sentido figurado, porque Bolsonaro até se esforça, mas ele não é um equino, nem consta que equinos sejam batizados.

Mas se Bolsonaro diz “Vamos fuzilar a petralhada” usando um objeto como arma, qualquer que seja ele, a única coisa figurada aqui é o objeto, porque pessoas estão sendo fuziladas por motivações políticas neste país e não há nada mais denotativo que homens e mulheres perdendo a vida por suas ideias.

Bolsonaro não sabe produzir metáforas como psicopatas não sabem apresentar emoções. Mas quando consideramos Bolsonaro, também, a própria metáfora de uma época de ódio e intolerância, não podemos perder de vista que ele vai além disso. Porque metáforas não matam, mas o discurso que por vezes elas ensejam, sim, matam e autorizam a matar, da forma mais sórdida possível: convencendo pessoas a puxar o gatilho, tornando a morte um ato banal como o de “cancelar o CPF”.

O violão de Zélia Duncan, a pergunta da repórter, meus livros, a poesia, este texto, só são armas no campo das metáforas. Já Bolsonaro não é só uma metáfora do mal, mas o próprio mal, personificado em seu sentido mais literal, em sua concretude mais mesquinha.

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