Conheci o Chico em uma tarde chuvosa, ele e sua belíssima e adorável companheira, Camila. Cheguei muito inocente achando que ia conhecer o que seria apenas um ateliê, mal sabia eu a agradável surpresa que teria. O ateliê na verdade é um dos componentes de um conjunto espacial de casa-loja-café-museu, todo o ambiente é uma experiência. Fui recebida com prosa e cafezinho por duas pessoas absolutamente simpáticas que até então eu desconhecia completamente. A primeira coisa que o Chico me disse foi: odeio trabalhar. Achei estranho, sorri e só depois entendi que o que ele faz realmente não é um trabalho, é um dom mágico, uma integração completa do homem com a terra. O Chico é o barro. Ele coloca no espaço os seus pensamentos através da argila bruta. Argila que ora foi a natureza que criou, ora Chico foi lá e deu seu retoque, como a bio cerâmica, material criado por ele para suprir suas necessidades criativas.
O ambiente casa-loja-café-museu é encantador, o barulhinho da fonte, pássaros cantando e a perfeita sincronia com o som da chuva, daquele dia, quase me impediram de ir embora.
Perfeitamente autêntico e excêntrico, como todo bom artista, o Chico possui cabelos assanhados e está sempre formidavelmente sujo de barro, o que permite entender como aquilo não é um trabalho, o barro faz parte de quem ele é. Suas obras não podem ser encomendadas, afinal, tudo aquilo sai de sua mente brilhante, e como o barro do Chico poderia ser moldado por outros pensamentos senão os seus? O Chico trabalha sozinho, seu processo criativo individualista deixa as peças com sua cara e conta apenas com os pitacos gentis da Camila.
Ele não explica o significado das obras, a obra tá lá, a interpretação é de quem vê, trouxe aqui as obras que mais me pareceram peculiares:
A série de conchas clitóricas.
Quando questionado se a inspiração teria sido o clitoris, ele disse:
Espero que sim, clitoris é a origem, coisa boa.
Outra obra me chamou atenção pela boca absurdamente aberta, com um topetinho e o ar de arrogância, tudo isso aprisionado em um portão vermelho. Lembra alguém?
#forabolsonaro
A mulher quadripeito, que me remete ao peso da maternidade na vida da mulher que, quando mãe, deixa de viver sua feminilidade e se torna a provedora de leite, assim como uma fêmea animal de qualquer outra espécie. Ou ainda uma ama de leite, que amamenta os seus e os dos outros.
O sincretismo religioso da negra ou negro envolto pelo manto de nossa senhora.
E muitas muitas muitas cabeças metamorfóticas, que possuem formas em movimento, sugerindo que as nossas ideias são fluidas.
Essas peças não têm esses nomes, sequer têm nomes, essas são as minhas impressões da obra do Chico, um atrevimento.
Chico é um artista plástico natural de Catolé do Rocha, interior da Paraíba, trabalha a argila bruta há 37 anos, sendo também pintor. Mora em João Pessoa há 53 anos.
Saí de lá muda. Paralisada. Não esperava tamanha explosão mental naquela tarde.
Atualmente o lugar encontra-se aberto aos visitantes apenas por agendamento. Mas recomendo fortemente que quem mora em João Pessoa ou está de visita, conheça. Lá tem café, papo, política, cultura, alma e a Paraíba na sua essência. Um pedaço de mundo onde as angústias da pandemia não entraram.
Muito obrigada Chico e Camila pela excelente tarde.
Assinado uma fã.