O que aconteceria se uma instituição na Paraíba promovesse um evento literário e tomasse a obra do mestre Ariano Suassuna como sendo paraibana? Seria no mínimo a maior choradeira de bairrismo cultural e institucional em linha reta da América do Sul.
Ariano nasceu em João Pessoa e é um dos maiores nomes da literatura brasileira, o que não é motivo para que os paraibanos se apropriem de sua obra, produzida sob a vivência dos ares e cotidiano pernambucanos.
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Pois bem, vizinhos nossos não tiveram a mesma grandeza em reconhecer situação semelhante e fizeram exatamente o inimaginável hipotético mencionado no início deste texto, porém no cinema. A Cinemateca Pernambucana realiza uma mostra durante todo o mês de agosto para valorizar e preservar a memória de obras cinematográficas pernambucanas. Na lista de filmes eles anunciaram duas obras paraibanas, dirigidas por um dos mais importantes nomes do cinema brasileiro. Linduarte Noronha é pernambucano, sim, isso não está em questão. Porém, assim como a obra de Ariano é pernambucana, a de Linduarte é da Paraíba.
A cara de pau foi tanta que anunciaram, em uma publicação no site da cinemateca, dois filmes de Linduarte Noronha como parte do “cinema feito no estado”: “Aruanda” (1960) e “O Cajueiro Nordestino” (1962). Confira o texto conforme publicado lá:
Durante todo o mês de agosto, a partir do próximo domingo (01) será exibida no portal da Cinemateca Pernambucana da Fundação Joaquim Nabuco (cinematecapernambucana.com.br) a mostra on-line “A História de uma Alma: Uma Coleção de Filmes de Pernambuco”. Com curadoria da Cinelimite & Cinemateca Pernambucana, tem como objetivo de mostrar a rica história do cinema feito no Estado. Todos os filmes estarão com legendas em inglês.
A Cinelimite (cinelimite.com) é uma organização sem fins lucrativos sediada em Nova Iorque, dedicada à exibição de cinema brasileiro e à promoção do intercâmbio cultural entre os Estados Unidos e o Brasil. Fundada em 2020, produz programas mensais que visam destacar a rica história do cinema brasileiro para o público internacional. As mostras da Cinelimite incluem novos textos acadêmicos, vídeo-ensaios, entrevistas e filmes, apresentados tanto em inglês como em português.
O problema não é divulgar os filmes de Linduarte, pois o mundo merece conhecer ainda mais a obra de Linduarte. A questão está na apropriação. Estarrecidos diante do absurdo, cineastas paraibanos foram nas redes sociais digitais da Cinemateca Pernambucana questionar a postura da instituição.
Os pernambucanos reconheceram que a obra de Linduarte pertence à Paraíba, no entanto, se recusaram a fazer qualquer correção ou retratação pública na mostra internacional. Além disso — e tão grave quanto —, apagaram comentários das pessoas que reagiam à apropriação.
Foi preciso o questionamento chegar até a Cinelimite para o erro ser reconhecido. Em publicação seguinte, também no site da Cinemateca Pernambucana, as duas obras paraibanas já não aparecem na lista do festival.
Vale lembrar que o próprio Linduarte Noronha considerava a importância da produção local, da força de trabalho regional e da origem da obra com base na pessoas que realizavam tal feito.
Em 1966, o jornal Diário de Pernambuco publicou longa crítica ao cinema pernambucano, considerando a produção paraibana, à época, como precursora do Cinema Novo:
Para ilustrar a discussão sobre a grandeza na diferença da origem dos artistas e das obras em contraposição à tacanha postura da Cinemateca Pernambucana, trago o registro do Digaí Podcast com a fala de Dantas Suassuna, filho de Ariano, sobre o amor e a referência do pai ao solo sagrado paraibano: