Você já deve ter visto o vídeo que viralizou na internet na data de ontem (13 de agosto de 2020) em que uma mulher enfurecida compra uma peça caríssima do artista Romero Brito e joga no chão na frente do artista.
A mulher diz que Romero foi ao restaurante dela com um amigo e teria maltratado um funcionário. Para se vingar do artista, a dona do restaurante comprou uma de suas obras mais caras expostas no local e quebrou a peça jogando no chão na frente de Britto.
Na gravação, ela diz: “Eu exijo que você nunca vá ao meu restaurante e ofenda minha equipe. Eu te respeitava como artista”. Em seguida, jogou a peça no chão. Veja o vídeo:
Muitas pessoas elogiaram a mulher a chamando de “heroína que não veste capa” e dizendo que a atitude da mesma foi correta, haja vista que ela pagou peça logo teria direito de fazer isso por causa do comportamento hostil de Romero Britto com um de seus funcionários.
De fato, situações como essa mexem com as emoções da gente. Maltratar alguém é asqueroso. Mas seria quebrar a obra de alguém uma atitude positiva ou mesmo uma postura louvável? Ela, em termos práticos, fez a mesma coisa que ele, contudo, ele foi criticado por isso e ela foi elogiada.
Ao escolher utilizar a justiça pelas próprias mãos não estaríamos reforçando a própria selvageria e a barbárie humana? Quando vejo grande parte da cultura digital da internet aplaudindo essa senhora por ter realizado esse ato eu só consigo pensar: realmente, falhamos. Perdemos o bom senso e qualquer critério de razoabilidade.
Tudo começou com esse funcionário que foi humilhado no restaurante da “patroa”, a justiceira, que saiu como heroína na história. Ninguém, contudo, procurou saber o nome do funcionário, não há registro sobre ele, não se sabe ao certo como foi esse fato, o que demonstra na verdade que o foco da situação foi mais para o lacre, ou seja, da peça indo ao chão do que mesmo a suposta soberba praticada por Romero Brito.
Contudo, porque a patroa justiceira não fez uma denúncia de Romero Brito pela humilhação? Porque não se procurou resolver isso de uma forma civilizada? Alguém procurou saber se alguma medida do tipo foi tomada? Pesquisei sobre e não achei nada.
A saída que a patroa achou foi a partir da compra de uma peça e da ridicularização do Romero Britto de forma pública. Algumas pessoas concordaram com a atitude da “patroa” por três motivos: 1) ele foi soberbo logo a resposta era a soberba reversa; 2) o crivo artístico, pela “má qualidade” da arte do Romero, como se isso fosse critério para tal selvageria; 3) se ela pagou, ela pode fazer o que quiser com a obra.
No que tange ao crivo artístico sobre um suposto mal gosto ou cafonice do estilo de Romero Britto, não tenho elementos suficientes para discorrer haja vista meu pobre espírito artístico. Tive ao longo da minha vida pouco acesso a “cultura ilustrada”, foram poucos os museus visitados e bem estou longe de ser uma especialista. Contudo, com um olhar amador e pessoal, não faz meu estilo as obras do Romero Britto. Mas desde quando meu gosto particular pode ser crivo ou justificativa para que alguém desrespeite uma obra de uma forma tão ordinária?
Sobre o “se pagou pode fazer o que quiser”, ao meu ver, demonstra que muitos cults conhecem pouco de direito intelectual. Não é porque alguém comprou uma obra artística que isso retira do criador da obra o fruto do seu trabalho, portanto, a obra por mais que tenha sido vendida não transfere em sua completude as propriedade intelectuais de criação. Em termos jurídicos, “o fato de a obra ser vendida a pessoa física ou jurídica (de direito público ou privado) não retira do autor a prerrogativa de defender a sua criação, de auferir os proventos patrimoniais que a exposição de seu trabalho ao público venha a proporcionar, bem como de evitar possível utilização por terceiros, sob quaisquer modalidades, sem sua autorização prévia e expressa.” (Humberto Martins, Ministro do STF).
O que foi feito não foi um ato heroico, mas sim uma ridicularização, uma selvageria. Um ato extremamente infantil e grosseiro. Hoje é muito fácil as coisas virarem memes. Vivemos na sociedade do lacre e do espontaneísmo. Mas será que esse é o caminho para o futuro que queremos? Estou com Brecht: para se ter razão é preciso pessoas razoáveis.