O substitutivo da PEC 135/2019, rejeitado pela maioria da Comissão Especial nesta semana (05/08), propunha de forma obrigatória “no processo de votação e apuração das eleições”, “a impressão do registro do voto”. Na justificação da redação original da PEC do voto impresso externa-se que “o Brasil, em questões eleitorais, tornou-se refém da juristocracia do TSE”.
Este tipo de iniciativa coincide com uma tendência que pretende estimular a desconfiança das pessoas nas instituições. De acordo com Roger Eatweel e Matthew Goodwin essa tendência utiliza-se de expedientes para disseminar uma sensação – falsa – de que as pessoas não têm mais voz. Que a democracia não representa mais as pessoas comuns e que os políticos não são confiáveis.
“Por sua vez, magistradas e magistrados do país reforçam a democracia diuturnamente, no âmbito de suas decisões judiciais. Quando chamados a pacificar conflitos, juízes fazem girar as engrenagens da democracia constitucional e, ao assim agirem, estimulam o respeito ao funcionamento adequado do regime político escolhido pelo povo brasileiro.
Por outro lado, a sociedade não espera de magistrados o comportamento que é próprio e típico de atores políticos. O bom juiz tem como predicados a prudência de ânimos e o silêncio na língua. Sabe o seu lugar de fala e o seu vocabulário próprio.
Igualmente, o tempo da Justiça não é o tempo da Política. Embora diuturnamente vigilantes para com a democracia e as instituições do país.” (Trecho do discurso do Ministro Luiz Fux na abertura do semestre do Judiciário)
“a democracia, mais do que uma ideia, é uma prática constante; mais do que um direito, é um dever compartilhado por todos os cidadãos e pelos poderes públicos” (Ministro Luiz Fux)
E, ainda, como alertou sabiamente o Ministro Luiz Fux no mesmo discurso “numa sociedade democrática, momentos de crise nos convidam a fortalecer – e não deslegitimar – a confiança da sociedade nas instituições”.
E por que a confiança é um alvo tão importante para essas tendências? É a confiança que através de vários fenômenos que confere à coesão social necessária ao funcionamento das sociedades complexas.
São as instituições democráticas e mecanismos variados (eleições, representação, liberdade de expressão e de associação, direito de julgamento justo e imparcial, separação de poderes e a obrigação de prestação de contas por governos), nas lições de José Álvaro Moisés, que capacitam as pessoas a competirem por meio de regras sem risco para sua liberdade e para seus direitos.
Retirar a confiança das pessoas nas instituições é o primeiro passo em uma tentativa de deslegitimar as instituições democráticas e, em seguida, modificar o regime político ou afastá-lo dos valores permanentemente fixados com a Constituição.
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Ora, qual é o sentido de produzir-se um tumulto retórico quando o país enfrenta a maior emergência sanitária da sua história? Quais são as razões para minar a confiança dos cidadãos nas instituições em meio a uma crise econômica com taxas estratosféricas de desemprego? Qual é a finalidade de querer se afastar da defesa intransigente da democracia?
Quaisquer respostas que se encontrem a essas interrogantes não contribuem para assegurar os direitos fundamentais das pessoas, enfrentar os desafios estruturais da nossa sociedade, manter o funcionamento do Judiciário segundo o estabelecido pela Constituição de 1988, recuperar a trajetória de desenvolvimento, nem incentivar o empreendedorismo e o crescimento econômico.
Encerro essa pequena contribuição ao debate acerca da crise institucional vivenciada por nós reforçando o convite do Ministro Luiz Fux em seu discurso de ontem (05/08) “a democracia, mais do que uma ideia, é uma prática constante; mais do que um direito, é um dever compartilhado por todos os cidadãos e pelos poderes públicos”. E arrematou o ministro “os juízes precisam vislumbrar o momento adequado para erguer a voz diante de eventuais ameaças. Afinal, numa democracia, juízes não são talhados para tensionar.”
Permaneçamos, pois, vigilantes!