Anderson Pires é formado em Comunicação Social – Jornalismo pela UFPB, publicitário e cozinheiro.
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Dino jogou o bode na sala
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Foto: FABIO RODRIGUES-POZZEBOM – AGÊNCIA BRASIL

Existe uma expressão no Nordeste quando se tem algum problema de difícil solução, que diz: o jeito é jogar o bode na sala. É uma forma das pessoas entenderem a gravidade. Imagine um bode comendo, fedendo e espalhando seus excrementos pela sala. Certamente, os envolvidos irão ter que arrumar uma solução para toda essa sujeira.

Essa analogia serve para caracterizar a última medida do Ministro do Supremo, Flávio Dino, que mandou suspender o pagamento de emendas impositivas  dos deputados federais e senadores, além de determinar que a Polícia Federal investigue a origem e destinação dessas emendas.

Na última campanha para presidente, Lula chegou a afirmar que seria o maior esquema de corrupção e desvio de recursos da história do Brasil, mas não teve qualquer alteração em seu governo. Pleno contrário, na hora que se sentiu acuado pelo Congresso, apelou para velha prática da construção de acordos, no estilo toma lá, da cá. Demonstrou fragilidade política e, também, pouca disposição para embates com aqueles que antes chamava de quadrilha.

Tivesse jogado o bode na sala nos primeiros dias de governo, bloqueando o pagamento e usando dos mecanismos de controle que o poder executivo tem, entre eles a Polícia Federal, talvez estivéssemos em melhor situação no que diz respeito as contas públicas e capacidade de investimento do governo. Sem contar que iria mostrar disposição para enfrentamentos políticos.

As emendas impositivas são um verdadeiro assalto aos cofres públicos, sem contar que configuram uma distorção completa do papel dos parlamentares, que não foram eleitos para estabelecer quais projetos e obras devem ser executadas no Brasil, conforme suas conveniências políticas, muitas vezes, de ordem pessoal e financeira.

O mecanismo da distribuição de emendas impositivas para senadores e deputados federais fere uma série de princípios, configura apropriação indevida de parcela dos recursos do Estado, sem contar que em decorrência dos valores vultosos que ficam sob comando de cada parlamentar, representa um ataque a democracia. Afinal, é com esse dinheiro que redutos eleitorais e apoios políticos são garantidos.

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O atual modelo de distribuição de emendas garante a cada deputado federal durante o mandato cerca de R$150 milhões e um senador algo próximo dos R$600 milhões. Alguém acha que é possível estabelecer isonomia na disputa eleitoral, quando se tem concorrentes que contam com tais recursos para fazer campanha antecipadamente? É quase impossível um deputado federal que saiba manipular esses recursos não ser reeleito. No caso dos senadores, por ser uma disputa majoritária, o cenário não é tão previsível, mas não se pode negar a vantagem que os milhões distribuídos em emendas estabelece.

Diante desse cenário e após uma ação da bancada do PSOL junto com outras entidades no Supremo Tribunal, o Ministro Flávio Dino mandou suspender a distribuição de emendas e solicitou a Polícia Federal a abertura de inquérito para investigar todo processo. Dino fez aquilo que Lula não teve coragem, jogou o bode na sala.

Quando Flávio Dino foi indicado para o Supremo, fui daqueles que achavam um equívoco retirá-lo da política, pela sua qualificação para o debate e posições progressistas em diversos temas. Agora, percebo que estava enganado, num Congresso onde não existe qualquer pudor, a verve de Dino serviria mais para produção de memes do que propriamente algum efeito prático.

O descaramento dos deputados e senadores chegou a um ponto, onde nem a cara fica mais vermelha de vergonha diante dos absurdos que aprovam no Congresso Nacional. Fazem uso do parlamento em benefício próprio, sem qualquer medida, ao ponto de destinarem quase R$50 bilhões anuais em emendas, sem que nem os responsáveis pelas operações sejam devidamente identificados. Institucionalizaram o desvio de finalidade, lotearam recursos públicos e, para completar, criaram mecanismos de ocultação. Poucas organizações criminosas teriam tanta ousadia.

O papel que Flávio Dino está exercendo nesse episódio é imprescindível para que essa questão seja tratada com a evidência necessária. Alguns afirmam que esse embate com o Congresso pode paralisar o país, como se deixar correr frouxo o dinheiro público tivesse algum papel positivo. Apenas dois anos de emendas destinadas aos parlamentares representam quase o dobro de todo pacote de corte de gastos apresentado pelo Governo Lula, que na verdade teve como alvos inclusive o salário mínimo e o BPC, traduzindo: os pobres.

Outros temas precisam ser debatidos com a mesma coragem, a exemplo do papel social da terra, que está previsto na Constituição. Assim como, a distribuição de incentivos fiscais e benefícios para o agronegócio, uma atividade que não deixa quase nada para o país. Afinal, não paga impostos, não gera empregos, concentra renda, gera inflação nos alimentos e destrói o meio ambiente. Tudo isso é crime e esses bodes precisam ser jogados.

Espero que a coragem de Dino sirva para que outros atores, inclusive o presidente Lula, revejam suas posturas recuadas e acovardadas, que levam o país mais para a direita e tiram recursos dos mais pobres. 

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