A verdade escancara mais um recorde negativo. Em um dia, quase quatro mil pessoas morreram vítimas da insanidade que golpeia o país. Não existe clima para mentiras sinceras, ou piadas que seriam feitas nessa data. Mataram não apenas corpos, mas a alma do brasileiro foi impregnada de desumanidade.
O primeiro de abril carrega o estigma do dia quando a democracia foi mutilada no Brasil. Marca o início de uma jornada de violência de toda ordem. Tempo marcado por mortes e a forma mais cruel de decretar o sofrimento duradouro, o desaparecimento.
Os mesmos que tentaram justificar atrocidades com base na moral desprovida de princípios, hoje dizem que a necessidade de subsistência é motivo para que pessoas arrisquem suas vidas na roleta russa da covid-19. Na verdade usam de argumentos aparentemente piedosos para empurrarem um exército que servirá para proteger a propriedade e garantir o lucro.
Em 1964, sobrepuseram o respeito à vida e à liberdade de expressão, disfarçadas pelo combate a um demônio imaginário chamado de comunismo. Em qualquer tempo, os interesses maiores estão sempre ligados ao capital. Numa ditadura militar ou no governo do Capitão Bolsonaro a vida é valor relativo, sempre depreciado quando comparado aos valores tangíveis.
A democracia continua em risco. O central para quem não tem apreço pela vida é a circulação financeira. Não olham para o trabalhador ou o pequeno empresário à beira da falência como prioridades a serem amparadas pelo Estado. Proteger gente não vale o risco financeiro, mas o socorro ao capital é sempre justificável.
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O mais triste é ver muitos assumirem a defesa daquilo que lhes aprisiona. Não cobram que o lucro das grandes corporações e a Seguridade Social garantam renda mínima para sobrevivência de quem produziu riquezas, no caso o trabalhador. Preferem a defesa da manutenção dos empregos, que, consequentemente, mantém o modelo de exploração que não lhe deu qualquer autonomia para subsistir quando os meios de produção precisam parar. Agem como capitães-do-mato, pensam ser livres, mas estão presos a valores que servem para manter a opressão.
Não existe sentido em um modelo de produção capitalista que funciona como uma bicicleta cheia de trabalhadores, formando uma imensa pirâmide que, se parar, todos caem sem qualquer amparo. Quem não morrer na queda, terá que correr a pé por um campo minado em busca da sobrevivência. Para completar o cenário trágico, teremos os idiotas úteis que dirão: “toda atividade que coloca comida na mesa das famílias é essencial”.
Essa é a situação que vivemos no Brasil infectado por covid-19. A vida deixou de ser essencial na medida em que todo acúmulo gerado pelos trabalhadores da bicicleta permanece protegido pelo Estado, sem que se cogite sua utilização para salvar quem sempre manteve o movimento do lucro.
Em um dia que marca o início do período de maior desrespeito à vida no Brasil, a Ditadura Militar, vivemos situação análoga quando o Governo atual empurra as pessoas para morte e lava as mãos em plena Semana Santa, com relação à responsabilidade de dar seguridade a todos. Não importa qualquer justificativa de que o amparo irá produzir déficit e que a economia precisa ser preservada enquanto mortes viram números.
O caso brasileiro é exemplo de desumanidade, de ganância, de falta de compaixão. Não é a opção mais econômica que está em questão. O que temos é um exemplo claro de descarte da sua população e entrega à sorte por não terem valor para quem governa. Como lembrou Keynes: “Em trincheira [na UTI] não existe ateu e em crise não existe liberal”.
Por mais absurdas que pareçam as atitudes de quem governa nosso país, em nada me surpreendem. Bolsonaro sempre defendeu a ditadura e suas práticas. Esperar dele humanismo, que governe para preservar vidas e garanta o mínimo para que ninguém precise autoflagelar-se é dissonante. Enquanto milhares morrem por covid-19, o presidente do Brasil comemora as mortes que o Governo Militar promoveu. Não foi por essa democracia que lutamos. A luta não acabou com o fim da Ditadura. Parece mentira, mas não é.