Jornalista e doutoranda em Informação e Comunicação em Plataformas Digitais pela Universidade do Porto (PT). Autora do livro Flores nos Canteiros (A União, 2018). Interesse em temas sobre feminismo, viagens, comunicação e redes sociais. flavia.lopes.sn[a]gmail.com
Jornalista e doutoranda em Informação e Comunicação em Plataformas Digitais pela Universidade do Porto (PT). Autora do livro Flores nos Canteiros (A União, 2018). Interesse em temas sobre feminismo, viagens, comunicação e redes sociais. flavia.lopes.sn[a]gmail.com
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Era uma casa muito cara, não tinha teto, não tinha nada
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(Foto: Flávia Lopes)

Se tem uma coisa que é bonita nas paisagens urbanas de Portugal são as casas. Casas, casarões, casinhas. Todas lindas. Coloridas, com suas flores nas janelas. São mesmo convidativas e cada uma parece um lar. Mas, no meio da paisagem há sempre uma abandonada. No meio da cidade, no meio da estrada, numa paisagem urbana ou rural, há sempre uma casa morta em Portugal. Onde habitam fantasmas, dos que lá moraram e morreram, e alguns outros fantasmas que assombram pensamentos como o questionamento constante que mora em mim: “tanto lugar abandonado e o país está nessa situação caótica habitacional!”. Isso mesmo! Há um fantasma pior do que alma assombrada: o arrendamento em Portugal. Alugar moradia é missão quase impossível. Os problemas variam de preços altos, grande procura, pouca oferta, e má vontade de alguns senhorios.

De acordo com o índice internacional do site ‘HousingAnywhere’ (uma plataforma de reservas online para acomodações), que analisa o crescimento anual de preços de cerca de 64 mil imóveis (apartamentos, casas, estúdios e quartos) em cidades da Europa, Lisboa é a vencedora da carestia em 2023: alugar um apartamento com um quarto (T1) custa em média € 2.500 por mês (Lisboa é a cidade mais cara da Europa para arrendar casa – Economia – Correio da Manhã (cmjornal.pt)).

Para se ter uma noção a nível europeu, essa média de valor em Lisboa, custa € 200 a mais que em Amsterdam, por exemplo, onde um apartamento nas mesmas condições custaria € 2.300, mas onde o poder de compra é mais elevado que o de Portugal. Em termos comparativos, o salário mínimo da capital dos Países Baixos deste ano gira em torno de € 1.995 (para maiores de 21 anos e a depender da profissão também) e o salário mínimo em Portugal fecha nos € 760. Para ambas as realidades um aluguel assim é muito acima do orçamento mensal. Mas a comparação é válida para entender o quão caro é morar em Portugal (e na Europa em geral).

Quando alugar uma casa completa custa caro, a solução é dividir moradia. Mas para essa alternativa a situação também não é tão boa. O arrendamento de quartos em casas partilhadas em Portugal aumentou cerca de 70% no último ano, segundo um levantamento divulgado pelo site idealista (outra plataforma digital de busca de imóveis).

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Segundo matéria no site Campeão das Províncias (Mercado de arrendamento de quartos aumenta 71% – Campeão das Províncias campeaoprovincias.pt) , “o crescimento mais expressivo ocorreu em Lisboa (146%), seguido pelo Porto (107%), Leiria (96%), Aveiro (67%), Coimbra (50%), Faro (29%) e Braga (10%)”, mas nenhuma das cidades registou queda na oferta durante esse período. O site ainda revela a média de preços cobrado por um quarto: “Lisboa permanece como a cidade com os quartos mais dispendiosos, com preços médios mensais a rondar os 506 euros, seguida pelo Porto (400 euros por mês), Setúbal (380 euros por mês), Faro (380 euros por mês), Aveiro (355 euros por mês) e Braga (350 euros por mês). Por outro lado, as opções mais económicas para o arrendamento de quartos incluem Coimbra (270 euros por mês), Leiria (270 euros por mês) e Santarém (290 euros por mês).”

O que os levantamentos dos sites e notícias de jornais não revelam, no entanto, são outros problemas para além da inflação que atinge a todos. Se está ruim para os portugueses, que moram por cá, imagina para os imigrantes. A xenofobia que atrapalha esse percurso é velada, mas latente. Eu, por exemplo, tive algumas dificuldades para encontrar moradia.

Ainda me lembro, assim que me separei fui morar de favor na casa de uma amiga, que me acolheu enquanto eu procurava um lugar para morar. Na primeira semana desse turbilhão da minha vida, com uma ponta de esperança de ter um lugar para mim, liguei para um anúncio de um quarto para “raparigas”. Atendeu uma senhora portuguesa: “Tô sim” (esse é o “alô” de Portugal). Respondi com meu claro sotaque e palavreado brasileiro: “Boa tarde. Vi um anúncio de um quarto para estudante. Gostaria de saber se está disponível e qual o valor”. Ela fez um questionário: quantos anos? É solteira? É estudante? Estuda o que? Há quanto tempo em Portugal? Quanto tempo quer morar? Respondi tudo, para no final a senhora dizer: “o quarto já está ocupado”. Desconfiada que sou, pedi para uma amiga portuguesa ligar e saber do quarto. Resultado: o quarto estava livre.

Tempos depois descobri que isso tinha nome: Discriminação linguística na procura por arrendamentos para habitação familiar. Tem até uma dissertação recente publicada na Universidade de Coimbra no mestrado em Administração Público-Privada, pela advogada Michelle Souza Merçon, que fala sobre esse pequeno braço da xenofobia que asfixia a vida dos imigrantes aqui em Portugal.

Mas a “xenofobia imobiliária” não para por aí. Passada a árdua fase da procura, você ainda está passível de outros traumas.  Uma vez aluguei um T1 a um casal de idosos, que infelizmente moravam embaixo do meu apartamento e se achavam no direito de saber quem eu levava para a minha casa, controlar as minhas visitas e reclamar da água e da energia que eu gastava (sendo que eu pagava). O primeiro ano do contrato terminou e por lei eu poderia renová-lo por mais dois anos, mas, um belo dia recebi uma linda carta convidando a me retirar, dizendo que o contrato não seria renovado. Eu poderia ficar, fazer confusão, brigar pelos meus direitos, mas não quis. De que valia brigar para morar em um lugar onde eu não era bem-vinda?

Fora as minhas experiências, que foram bem brandas até, já ouvi relatos terríveis: senhorios que fecharam a porta, trocaram a fechadura e jogaram os objetos e móveis de uma pessoa pela janela, expulsões de casa, cobranças absurdas como calção de SEIS MESES ADIANTADOS… são essas as conversas que escutamos por aí.

Mas há gente boa nesse mercado. Ainda lembro da querida Dona Emília, uma senhora dona de uma vivenda (casa grande) em Guimarães, onde aluguei um quarto. Acho que foi um dos lugares que mais amei morar. Lá eu não podia receber visitas e a casa era só para mulheres, mas a Dona Emília era de uma doçura tão grande que me fazia sentir em casa. Uma vez minhas roupas todas do varal voaram e ela apanhou com muito amor e deixou na porta do meu quarto. Uma gentileza muito simples, mas que tocou meu coração. Quando eu me mudei de lá ela chorou muito e disse-me que era muito sofrido sentir saudades de quem partia.

Morar em Portugal como imigrante brasileiro tem disso, você vive a dor e a delícia de se aventurar e tentar uma vida melhor fora da sua terra natal. É um sentimento misto de sofrer por estar longe, mas não querer voltar. E de ter consciência de que você é seu próprio lar, não importa onde você more.

Mas sempre que avisto uma casa abandonada penso quanta gente podia estar morando ali. Quanto desperdício de tijolos! De abrigo! E sempre cantarolo na minha mente: “Era uma casa, muito engraçada, não tinha teto, não tinha nada…”

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