Nos últimos dias tivemos uma série de manifestações e projetos de lei que buscando tornar essenciais atividades que podem aumentar a proliferação da covid-19. A Câmara Municipal de João Pessoa aprovou em uma só sessão que igrejas, escolas e atividades físicas – por meio de academias e assessorias esportivas – são essenciais e devem ficar abertas, mesmo que em períodos de estado de calamidade.
Os argumentos são os mais diversos. Alguns pinçam de artigos científicos interpretações que abram brechas para que atividades empresariais continuem a faturar, mesmo que em momentos de catástrofe, sem qualquer empatia. Apelam para existência de medidas sanitárias que supostamente evitariam qualquer contágio e negam o óbvio: se pessoas circulam e interagem, o vírus também.
Entre os atravessadores da fé, sobram justificativas na moral de um cristianismo deturpado para que igrejas que destoam do verdadeiro exemplo de Cristo continuem a promover cultos, missas e a arrecadação de dízimos e ofertas. Bem distante daquilo que apelam como motivo para a abertura, que seria o trabalho assistencial junto aos mais carentes. Nada mais falso, visto que em momento algum esse tipo de iniciativa sofreu restrição. Muito pelo contrário, foram incentivadas durante toda a pandemia.
Ainda temos aqueles que querem justificar a abertura das escolas com o intuito de garantir a saúde e o direito das crianças e adolescentes. Novamente os argumentos parecem tão nobres, mas nem por isso escondem a irresponsabilidade de promover a disseminação do vírus, os interesses empresariais e, talvez o pior, a existência de alguns pais que querem entregar às escolas a responsabilidade sobre seus filhos. Negam os riscos de contágio com a circulação de um grupo geralmente assintomático, com alta capacidade propagação e sem maturidade para manter o uniforme limpo, imagine seguir normas sanitárias rígidas.
Escolas são necessárias, antes de bares e academias. Educação é primordial. Entretanto, a volta às aulas depende de muito mais do que infraestrutura adequada e protocolos de segurança nas unidades de ensino. Para que as crianças retomem suas rotinas estudantis, é preciso um pacto coletivo dos pais, comprometidos com o distanciamento social, para que no convívio escolar o vírus não circule. Na prática, não é o que costuma acontecer.
A aprovação de matérias como essa pelo Legislativo é um verdadeiro desserviço em momento tão delicado, onde o país bate recordes de mortes e contágio. Seguem a cartilha negacionista do presidente Bolsonaro. Jogam no colo dos prefeitos e governadores o ônus de combaterem sozinhos a pandemia e ainda terem o desgaste de vetar medidas sabidamente equivocadas, que só aumentarão o problema e atendem a interesses de grupos que sempre negaram a situação de calamidade.
Tem um ditado popular que diz: “de boas intenções o inferno está cheio”. Aprovar leis que promovam contágio, que acarretam o sofrimento de muitos e a morte de outros tantos é abominável em qualquer tempo. Nenhum gestor toma medidas de isolamento social, restrição de atividades ou até um lockdown por vontade. Assim como governadores e prefeitos, vereadores e deputados também são agentes políticos avaliados e cobrados pelos mais diversos segmentos. A atitude dos parlamentares em jogar o ‘bode na sala’, sem que isso implique em qualquer responsabilidade direta, é um desrespeito com todas as mortes que já tivemos. Todo argumento é falho quando se coloca em risco a vida. Esta, sim, essencial.