Durante muito tempo sonhei em ter uma filha. Seu nome seria Luiza, em homenagem a música de Tom Jobim. Mas a vida me deu Bento, o grande amor da minha vida. Um garoto sensível, que me emociona a cada dia.
Hoje, sei o que é ter e sentir um filho: esse conjunto de amor, angústias, dúvidas e culpas que nos acompanham. Imagino como seria se tivesse uma filha. Certamente, um sofrimento amplificado diante de todas as possibilidades de violências que ela estaria suscetível. Pior ainda, quando constatamos que o mundo odeia as mulheres.
Não é exagero, a moral vigente, seja cristã ou não, é cruel com as mulheres de forma desmedida. A elas foi imputada a obrigação de serem as depositárias de todas as virtudes e maldades do mundo. Sim, não cabe ao homem esse papel.
Para nós foi dada a confortável missão de semeadores. Independentemente da forma que isso seja feito, com amor ou violência, esse papel de propagar o divino dom da vida, se estabeleceu como um direito, que suplanta a razão e se sustenta na moral de quem atribui justificativas divinas até para o mal.
No extremo de tudo isso, cabe até a imposição para que meninas sejam obrigadas a carregar no ventre o mal semeado por um homem estuprador. Pois é, homem estuprador, essa é a categoria em questão. Na hora que tentam aprovar uma lei que obriga crianças a terem filhos frutos de estupros, a desumanidade se torna absoluta. São meninas que muitas vezes nem sabem que estão sendo abusadas sexualmente, muito menos, que daquela violência pode acarretar uma gravidez.
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Mais desumano ainda quando usam argumentos religiosos para qualificarem como assassinato a retirada de um feto com mais de vinte duas semanas de gestação. Como se fosse possível a existência de vida sem mãe, essa depositária divina que estaria a serviço de Deus para proliferar os frutos da violência.
Não tem como aceitar mais essa violência que querem impor as mulheres. A crueldade de quem defende que uma menina deve gestar a materialização da mais dura agressão que sofreu, se equipara a legislar em prol da tortura. Num mundo em que as pessoas não conseguem se livrar de dores muito menores, impor uma que será literalmente viva, é escancarar o ódio como prática social.
Eu não sou mulher, jamais terei a dimensão do que é carregar um ser dentro de mim, mas diante do tanto de amor que tenho pelo meu filho e do quanto sei que a mãe dele se apaixonou por cada pequena evolução até ele nascer, tento dimensionar a dor de uma menina obrigada a gerar o que não quer, ainda mais fruto de um estupro.
O Brasil caminha a passos largos para a barbárie. Torço para que exista alguma faísca que acenda a reação. Talvez venha exatamente das mulheres a liderança para reagir. Da minha parte, alguém que ainda crê na “esperança radical”, ficarei feliz em marchar junto. Com relação a filha que não tive, infelizmente, tenho que reconhecer, ainda bem Luiza, que você não teve que viver nesse mundo.