Mãe, mulher, jornalista e repórter da TV Câmara de João Pessoa. Escritora de crônicas nunca publicadas.
Mãe, mulher, jornalista e repórter da TV Câmara de João Pessoa. Escritora de crônicas nunca publicadas.
Fica proibido a partir de agora reclamar de tudo o que acontece nessa vida
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Foi no último dia 17 de julho, um dia depois do meu aniversário de 37 anos. Não gritei, não fui com nenhuma camiseta temática, não levei nenhum cartaz de protesto, não havia música de fundo, nem vídeo temático. Mais: minha filha estava comigo, segurando a minha mão.

Quase nada ali inspiraria uma crônica, e tudo ali inspiraria uma crônica. Minha vacina. Meu grito de guerra contra solidão, meu golpe no vírus, minha prorrogação na morte.

Saímos de casa em “cima da hora”. Consegui um agendamento pras cinco da tarde. Fomos de carro – e nas nuvens –, até a escola Leonel Brizola, no Bairro Tambauzinho (escola Leonel Brizola, isso, sim, é poesia concreta!). Pelo meu fone de ouvido, o som do Brasil que ninguém me tira: Caetano, Novos Baianos, Tom zé. Pelas notificações do celular, as notícias de um país que a CPI não me devolve.

Deixo essas memórias amarradas no caminho, e penso em quem não chegou até aqui. Muita gente não chegou até aqui. Um tempo que foi roubado e se tornou mais caro a cada vacina negada junto com nosso oxigênio. Ainda no carro, mando um whatsapp pra uma amiga: “presta bem atenção, fica proibido a partir de agora – ou, ao menos, a partir do instante em que a agulha entra no braço –, reclamar da vida”. Não pode. É feio, pega mal, é injusto. Há exceções, claro. Uma, pra ser exata. Doença. Ok. A lei aqui é clara: a gente há de aproveitar tudo o que acontece nessa vida – muito embora saibamos que, hoje, mais vale uma hashtag na mão que um artigo da constituição voando. Mas quando eu digo tudo, caro leitor pandêmico, é tudo mesmo. Dor de amor? Aproveita. Saudade? Idem. Raiva? Traição? Inveja? Falta de dinheiro? Supera.

Veja, qualquer sentimento que te mantenha de pé, respirando sem aparelhos, ou fazendo coisas importantes disfarçadas de banais, como, por exemplo, comer um doce no final da tarde ou mandar um áudio pra sua amiga reclamando daquele cara bolsonarista – está imediatamente incluso no pacote “Esperança”. Aproveita.

É o que eu tenho feito. E tem dado certo. Não sei se porque me acostumei com o número de mortos em pandemia, acompanhados com precisão diariamente nas manchetes de jornais, ou pela impressão – que não é impressão – de estar vivendo há um ano e meio espremida entre mortos.

Atualmente quase tudo me dá uma vontade de achar bonito e me dá uma vontade absurda de viver. Levar minha filha pra comer caranguejo pela primeira vez em nove anos, depois de quase 500 dias em casa, me dá uma sensação térmica de tour pela vida. Ouvir no quarto Bob Dylan, horas antes de sair pra vacina, idem.

Aliás, poder combinar um encontro pra um café com o editor desta coluna, a quem não vejo desde 2019, acho, foi como ganhá-lo de novo: que bom que posso fazer planos e ver as pessoas existindo por aí.

Ver Lis descobrindo novos jogos e colecionando cartas de RPG, ir as passeatas, subir no prédio mais alto do Nordeste e chorar com o vento batendo no rosto, dormir, acordar, correr pela orla, gostar do Randolfe Rodrigues, odiar os ministros desse governo, encontrar minha irmã e vê-la tomar um café, ver minha filha crescendo, caçar Pokémon com ela, acompanhar o Greg News, os podcasts da Piauí, fazer reportagens: tudo em 2021 parece dizer “fica atenta, garota, que nada disso é pra sempre”. E não é.

Me vacinei no último dia 17 de julho e tomo a segunda dose no início de novembro. Até lá – e imagino que por um longo tempo ainda – seguirei, usando máscara e fugindo de aglomerações, mas tenho planos secretos ( agora não mais secretos) de cantar alto e todos os dias.

Escrevo esta coluna com os belos sintomas da minha AstraZeneca, dada pelo meu Sistema Único de Saúde, na escola Leonel Brizola, na rua Maria Caetano Fernandes de Lima, lugar que escolhi viver meus primeiros anos nessa cidade linda onde o sol nasce primeiro, onde minha filha nasceu e, agora, dona da minha carteira de vacinação. Minha nova certidão de nascimento.

Eu chorei no dia 17 de julho e cravei dentes nessa parada aqui. Se eu fosse você também cantava alto.

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