A Justiça não existe para julgar apenas quem presumimos ser culpado. Lutar por prerrogativas como ampla defesa e julgamento justo serve para salvaguardar o estado democrático de direito. Se hoje perseguem uns, e outros não, mesmo sob a ótica de que claramente são bandidos, os perseguidos de amanhã serão os mocinhos. Por isso, garantias devem servir para todos, até mesmo para quem não gostamos.
O bandido perseguido da vez é o prefeito afastado do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella. Não tenho receio algum em dizer que não gosto dele. Está todo errado desde que entrou na política amparado por sua base religiosa. Quem negocia com a fé dos outros não merece confiança de ninguém, seja a moeda um voto, o dízimo, ou as duas coisas. Todo pastor, padre ou bispo que resolve trocar o sacerdócio pela vida pública como político já começa sua carreira flertando com o mau-caratismo.
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Ontem, na prisão de Crivella, grande parte do campo progressista no Brasil comemorou. Esqueceram, no entanto, que o molde adotado pela Justiça na prisão de Crivella seguiu o formato inspirado no lavajatismo.
No Twitter, o advogado criminalista Augusto de Arruda Botelho, que costuma se portar como progressista, defensor dos direitos humanos e das garantias individuais, denunciou a ilegalidade na prisão de Crivella. Confira abaixo, no fio:
A lei vale inclusive para quem a gente não gosta.
— Augusto de Arruda Botelho (@augustodeAB) December 22, 2020
Dito isso, a prisão do Crivella é ilegal. Muito ilegal.
O despacho que a decretou é a antecipação de uma condenação (provavelmente justa) e não uma decisão de prisão preventiva.
No fio os principais pontos:
O modelo adotado no lavajatismo destrói reputações, elimina garantias fundamentais e causa danos irreparáveis à democracia.
Claro que com Crivella é diferente, pois há diversas provas de seu envolvimento na quadrilha que desviava recursos no Rio de Janeiro. No entanto, essas provas não aparecem no pedido de prisão, e da mesma forma não justificam, em condenação antecipada, uma preventiva.
Na Paraíba, o lavajatismo causou danos graves, com efeitos alcançados nas eleições de 2020 e possíveis reflexos ainda para 2022.
A condução coercitiva de Lula foi ilegal; a prisão preventiva e imposição de monitoramento para Ricardo Coutinho foram exageradas; a prisão de Crivella foi um espetáculo midiático.