Graduado em Letras e Direito e mestre em Organizações Aprendentes pela UFPB
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Instinto de sobrevivência ou um ano de pandemia
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Estamos chegando ao aniversário de um pouco mais de ano da pandemia da covid-19 em nosso país e no mundo. E o tempo, senhor da razão, fez tornar claro não somente os limites da própria razão como também a quase nenhuma validade de sua negação.

A morte veio como um espantalho para amedrontar os crentes e não crentes, deixando em carne viva a dor sentida daqueles que se foram como clarividência da nossa condição humana. O tamanho de cada um fica estampado na nudez do rei, dita de forma genuína pela sinceridade da criança que fala pela percepção de seus olhos. A pandemia nos deixa nus e insistimos nas velhas vestimentas ilusórias dos poderes e das ideologias.

A pandemia deixa muito claro o quanto as pessoas tendem a não seguir as leis, a não acreditar nas regras e normas, mesmo que sejam sanitárias, entabuladas longinquamente por Moisés. E quando isso ocorre, emerge a nossa proximidade com a animalidade e o nosso distanciamento da humanidade, porque a distinção do ser animal para o ser humano está na capacidade do animal desenvolver o seu sistema de proteção de sobrevivência somente pelo instinto; enquanto nós desenvolvemos o nosso sistema de proteção da força da natureza pela cultura.

E a cultura se espelha pelas mãos das mulheres e homens que tecem um conjunto de leis, normas, regras, valores, artes, ciências, religiões, técnicas, tecnologias e ideias. Todas essas linhas costuram o tecido da cultura que forma o pano de sustentação da nossa sobrevivência. Sem o primado da cultura, e de sua tessitura em normas constituídas, os seres humanos caem no vazio do narcisismo, onde o que importa é o instinto de sobrevivência. E a espécie humana não tem instinto de sobrevivência, tanto é verdade que alguns empresários mineiros compraram vacinas para si, como se essa ação os protegesse ou protegesse a nossa espécie. Enquanto espécie, a maior prova que não possuímos instinto de sobrevivência é o fato de que alguns humanos podem a qualquer momento fazer um clique e detonar uma quantidade de ogivas nucleares suficiente para explodir o nosso pequenino planeta.

Contrariamente, o vírus tem instinto de sobrevivência, caracterizado pela sua capacidade extraordinária de mutação, facilitada pela nossa incapacidade de fazer cultura no sentido de seguir as regras sanitárias; inclusive o confinamento, a antiga quarentena de nossos antepassados para se proteger das pestes, se necessário.

Cazuza ironizava: ideologia, eu quero uma pra viver. Viver sob as ideologias nos deixa em momentos e ambientes confortáveis, todavia a realidade se revela em força mãe para revolver a fixidez dos mourões estacados em cercas de convicção que não suportam os ventos das dores, das alegrias, dos pensamentos livres e dos atos presentes premidos pela necessidade do amanhecer.

Hoje, encaramos o vírus e sua vontade de sobreviver em forma de variantes, isso é instinto de sobrevivência; a covid-19, como doença, passa a ser mais conhecida, mas sem tratamento próprio, já se afirmando a ineficácia de medicamentos anteriormente ditos como apropriados para o cuidado do paciente, essa mudança é sinal de cultura; o isolamento social passa a ser vivido como opção necessária, mais um lampejo de cultura; a vacina passa a ser o desejo de proteção de quem a demonizava, mais uma faísca de cultura; os governantes passam a exercer lideranças em busca de consensos para enfrentar o vírus e a doença, mais indícios de cultura; o Sistema Único de Saúde –SUS passa a ser referenciado, presença de cultura; os profissionais de saúde, especialmente do SUS, se entregam ao combate do vírus e da doença como sempre fizeram, mas somente agora percebidos, mais cultura. Isso tudo é cultura.

O vírus somente tem a primariedade de seu instinto de sobrevivência, facilitado pelo descontrole da pandemia que posterga a sua menor circulação. Já nós, humanos, temos a complexidade da cultura para usar máscaras, lavar as mãos e fazer a devida higienização, além de manter o distanciamento social em consonância com a realidade da disseminação da doença, por isso que devemos cumprir as regras para que o distanciamento na próxima semana surta efeito, para tanto fiquemos o máximo em casa, a fim de diminuirmos a circulação do vírus e seu instinto de sobrevivência. Todavia é preciso que ampliemos a nossa capacidade de sermos culturais, entendendo-a como um sistema de proteção de nossa espécie, porque a espécie humana somente tem a cultura como sistema protetivo de sua sobrevivência

Viva a cultura!

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