Recentemente um fato me chamou atenção: mulheres absolutamente instruídas, com acesso à educação, MUITO inteligentes não são feministas, são contra o feminismo e ainda desconhecem os preceitos básicos do feminismo. Isso me deixou chocada, eu achava que toda pessoa que tivesse acesso à informação deveria ser feminista. Fiquei me questionando em que ponto o feminismo se perdeu, em que ponto os valores feministas foram tão distorcidos até que mulheres sejam contra? A Bell Hooks em seu livro “O Feminismo é Para Todo Mundo” fala sobre esse assunto e coloca que ao longo da jornada das mulheres em busca de igualdade socioeconômica, muitas delas se aproveitaram de falas feministas deturpadas para alcançar mobilidade social sem entender direito o que estavam fazendo, e eu não as culpo. Mulheres que viveram uma vida inteira subordinadas a casamentos infelizes e lares opressores usaram o artifício que tinham para fugir disso, mesmo que muitas vezes esse artifício fosse perpetuar o próprio patriarcado que as sufocava. O passado não tem como ser mudado, mas o que eu posso fazer sobre isso? Tive a ousadia de escrever esse texto porque PRECISAMOS falar sobre o feminismo, o movimento não pode se perder em distorções, precisamos cada dia mais de informação sobre o feminismo sendo passada adiante para homens, mulheres, pessoas não binárias e, principalmente, para as crianças que vão reescrever esse passado.
Mais uma vez falando da Bell, gosto muito da definição dela sobre o feminismo ser um movimento antissexista. Um movimento que desfaz a ideia de inferioridade de gêneros e que retira a predeterminação de ações e funções para um gênero, o conhecido menina veste rosa e menino veste azul.
O machismo não é o oposto do feminismo. Poderia ser considerado o oposto do femismo (falo sobre mais para frente), determina um orgulho excessivo da masculinidade, superioridade masculina.
Na minha visão o machismo reflete, na verdade, a masculinidade frágil do homem, mas eles não estão prontos para essa conversa.
Repulsa, desprezo ou ódio contra as mulheres. Forma de aversão à mulher centrada em uma visão sexista, que coloca a mulher em uma relação de subalternidade em relação ao homem. O desprezo ou ódio dirigido às mulheres está diretamente relacionado com a violência que é praticada contra a mulher.
Mais uma face da masculinidade frágil, só que aqui matando mulheres.
O patriarcado é um sistema social baseado em uma cultura, estruturas e relações que favorecem os homens, em especial o homem branco, cisgênero e heteressexual.
Mulher cis é a mulher que nasce biolgicamente com sexo feminino e se identifica como mulher.
Qualquer indivíduo que se identifica como mulher mesmo não sendo biologicamente do sexo feminino, sendo ou não submetida às cirurgias de redesignação sexual.
Não. Ter uma vagina não faz de uma pessoa uma mulher, assim como o fato de não tê-la não faz de uma pessoa menos mulher.
Existem pessoas que possuem vaginas e são homens. Pessoas com vaginas que não se identificam nem como homem nem como mulher ou com os dois ao mesmo tempo.
Existem mulheres cis que não possuem vagina, útero, ovário..
Existem mulheres com pênis.
O ser mulher é uma identidade muito mais ideológica, psicológica, filosófica e espiritual. Tem muito menos relação com órgãos genitais, com genética ou sistema reprodutor.
Não. A gente está defendendo justamente o direito de fazer sexo sem ser julgada e, como não somos um movimento lésbico, estamos lutando para poder fazer sexo com homens, logo gostamos deles. E muito! Vejam que estamos reunidas em um um movimento para que tenhamos o direito de fazer sexo com homens sem sermos julgadas, então dá para perceber que é uma coisa que a gente quer muito.
NÃO!!! O Feminismo não é sobre o homem, nem ódio ao homem. O feminismo é um movimento que visa condições de equidade na existência entre homens e mulheres e isso não beneficia só mulheres e eu vou mostrar para vocês porque todos devemos ser feministas.
As feministas defendem o feminino, o feminino é algo sagrado, belo, mas não deve ser usado para satisfação do patriarcado. As manifestações do feminino devem atender às mulheres e como elas se sentem confortáveis para manifestá-lo. O feminismo protege o feminino.
Sim. O feminismo justamente defende que a mulher tenha liberdade pra escolher como cuidar do seu corpo, não consigo pensar em uma coisa que seja mais feminista do que o autocuidado. Se quer depilar, depila, se não quer, não depila, a questão é o poder de escolha! Vai vir gente dizer que ninguém está obrigando a mulher a se depilar, mas estão sim. A mídia o tempo inteiro mostra a mulher como bonita quando depilada, ninguém fala sobre pelos femininos, e quando fala é visto como falta de cuidado, de higiene… e não tem nada a ver com higiene. Ninguém deve impor à mulher como devem ser seus pelos, sua barriga, seus seios, seu prazer… o feminismo é sobre autonomia.
Sobre como todos os corpos podem ser lindos, sobre como a identidade feminina é linda para mulheres cis e não cis, e também é sobre o estereótipo masculino. Se uma mulher quiser se vestir “como homem” tá tudo bem também. Então a mulher que não se depila, que não alisa o cabelo, que não pinta seus brancos não é uma mulher desleixada, ela é apenas uma mulher que entendeu que pode expressar sua feminilidade da forma que a convém. O feminismo é feminino e o feminino deve ser livre.
Falo com toda a certeza do mundo: NÃO. Nenhuma feminista defende o aborto. O aborto é um procedimento invasivo que traz riscos à vida da mulher, causa danos físicos e psicológicos, implica um período de recuperação, então tudo que uma feminista não quer é que uma mulher passe por isso. Então sobre o quê as feministas falam? As feministas falam sobre a LEGALIZAÇÃO do aborto. Lembram do “posso não concordar com uma só palavra do que você diz, mas defenderei até o fim o seu direito de dizê-la?” É exatamente isso que as feministas defendem quando falam da legalização do aborto.
O aborto não é nunca será usado como método contraceptivo, como algumas pessoas pensam. Aborto é uma coisa séria e perigosa, ninguém vai fazer sexo pensando “ah, se eu engravidar, faço um aborto”, definitivamente não funciona assim. Nesse texto eu não vou entrar na seara religiosa do aborto enquanto uma questão de assassinato ou não do feto, na minha opinião não é, mas aqui minha opinião não importa, porque é só uma opinião e deve ter o mesmo peso da opinião das outras pessoas. Irei falar da legalização do aborto enquanto questão de saúde pública, como benefício para a mulher e para o Estado. Percebam que em nenhum momento eu vou defender o aborto, irei defender a sua legalização. Mesmo que eu não ache que o aborto é um assassinato do feto e que eu defenda sua legalização, eu sou contra o aborto. Todo mundo é contra. Ninguém acha bom abortar, ninguém acha fácil, ou bonito, ou banaliza o aborto. Aborto é uma coisa dolorosa e invasiva em vários aspectos, e eu não o defendo, mas apoio totalmente uma mulher que tome a decisão de fazê-lo (não estou falando que, como médica, eu faria um aborto em uma paciente que me pedisse, aqui me posiciono enquanto mulher, até porque nesse assunto estão envolvidas questões legais muito sérias). No Brasil, as mulheres pobres, principalmente as negras, marginalizadas pelo governo, pela sociedade e pelas outras mulheres, porque mulher não apoia mulher graças às distorções do feminismo que vem se espalhando no mundo, iniciam suas vidas sexuais sem acesso à educação sexual (não só as mulheres, mas aqui falaremos sobre elas).
Sem saber como se proteger efetivamente de doenças e da gravidez indesejada, acompanhadas por parceiros que sabem menos ainda, elas iniciam suas jornadas sexuais vivendo perigosamente. Não porque gostam, ninguém gosta de viver correndo risco de pegar uma infecção sexualmente transmissível, o “abriu as pernas porque quis” não faz o menor sentido. A mulher abriu a perna porque quis? Sim (estupros à parte), mas quem não quer? Por acaso os homens estão escolhendo o celibato? Que eu saiba os homens estão fazendo sexo livremente sem serem minimamente julgados. Então sim, a mulher tem o direito de fazer sexo também! Sexo é necessidade fisiológicaa, é tipo dormir. A solução para as gestações indesejadas não é a abstinência. Alguém aí topa ficar sem dormir pra ser mais produtivo e melhorar a economia do país? Pois é. Nesse cenário, o principal motivo que leva mulheres a abortar é a falta de informação. Some a isso a quantidade de papais que abandonam seus filhos ainda dentro da barriga de suas mães e teremos a situação atual:
Em 2019 o SUS registrou 195 mil internações por aborto, uma média de 535 por dia. A cada 100 só 1 é por causa prevista em lei, os outros foram espontâneos ou por causa indeterminadas (subnotificação por ser tema tabu e criminalizado). A cada 10 mortes por aborto, 6 foram de mulheres negras, nos últimos 10 anos.
No Brasil, uma mulher morre a cada dois dias por aborto inseguro. Duas mil mulheres morreram nos últimos 10 anos por abortos inseguros. (Fonte: DataSUS/Ministério da Saúde).
Segundo a OMS, um total de 73,3 milhões de abortos seguros e inseguros ocorreram no mundo anualmente entre 2015 e 2019 e na América Latina, três em cada quatro abortos são feitos de forma insegura.
Pode. Se feito em ambiente hospitalar com auxílio do médico especialista pode ter os riscos diminuídos. O fato do aborto ser crime resolveu o problema da falta de educação sexual para os jovens e do alto índice de abandono parental no país? Não, então as mulheres não vão deixar de abortar porque é ilegal. Mas quando ele é feito de forma caseira das maneiras mais esdrúxulas imagináveis, o desfecho geralmente é um só: morte materna por complicações (sangramento, infecções…). Dos mesmos criadores de “colocar jornal na vagina para se proteger da pobreza menstrual”, temos o “vou colocar todo tipo de material na vagina pra encerrar essa gestação indesejada”: o desespero.
Imagine que você é uma mulher preta favelada e ganha um salário mínimo para sustentar uma família de 5 pessoas morando em um quartinho em condições sub humanas. Daí você fica grávida porque fez sexo. SEXO, necessidade fisiológica, não há a opção de não fazer sexo. O pai da criança abandona você e o bebê, mas dele ninguém fala. Você teria esse filho? Sabendo do grande risco que tem de você e ele morrerem de fome? Pois é, é para proteger essa mulher que o feminismo defende a legalização do aborto. Ah, mas aí o ideal seria a educação sexual, correto? Seria sim, mas quanto tempo vamos demorar até que todos os jovens do país tenham acesso a essa educação? Até lá todas as mulheres pobres não instruídas vão ficar vulneráveis? Não dá para esperar, né? E mesmo que todos fossem instruídas ainda assim a legalização do aborto deveeria acontecer.
Lidar com as consequências de um aborto clandestino é caríssimo para o SUS. Essas mulheres facilmente precisam de cuidados intensivos, internação, antibioticoterapia, procedimento cirúrgico… e tudo isso quem está pagando é o SUS, é você com o seu imposto. Então eu estou te dizendo que você deve ser a favor da legalização do aborto para que o SUS tenha suas verbas melhor empregadas e que o dinheiro do seu imposto não seja “desperdiçado” em situações trágicas evitáveis, e assim ajudar a salvar milhares de vidas.
Mas o feminismo não é um movimento só de mulheres.
Se o feminismo fosse só sobre garantir direitos para mulheres, só por isso já merecia a simpatia dos homens, mas vamos falar de outros aspectos. A equidade social entre os sexos beneficia também os homens. Vamos discutir exemplos de como o feminismo beneficia homens. Na sociedade patriarcal em que vivemos os homens são educados a reprimir seus sentimentos, dessa forma não desenvolvendo-os, não aprendendo a expressá-los. O homem deve sempre ser forte. Será?
Não faz. Não explorar seus sentimentos, não desenvolver a inteligência emocional traz danos graves ao homem. Muito comumente homens desenvolvem depressão que não é diagnosticada que se manifesta como alcoolismo e agressividade. Já viram um cara alcoólatra que batia na família? Longe de mim defender violência, mas isso é um sintoma de depressão. Quantos homens a gente conhece que “descontam” seus problemas em álcool? A saúde mental do homem está absurdamente danificada pela ideia patriarcal de que homem tem que ser forte. E o feminismo entra aí em defesa deles! Dessa falta de desenvolvimento emocional que a sociedade machista corrobora também surgiu a pérola “ele é só um menino”, dita para pessoas que se identificam como homens e que possuem idade suficiente para responder pelas suas atitudes, a imaturidade emocional de homens adultos é um problema.
Com o feminismo os homens podem entender que devem expor suas emoções, que podem chorar, que podem ser frágeis e que está tudo bem.
Uma confusão comum que acontece é que algumas pessoas que desconhecem sobre o feminismo acham que “tudo bem ser feminista, mas não precisa exagerar”. Algo do que eu falei até agora parece exagero? Respeito, equidade e liberdade são exagero? Eu não acho. Existe uma coisa chamada femismo. O femismo nada tem a ver com o feminismo, e ele sim prega superioridade do gênero feminino e alguns confundem, mas olha só, femismo não fala de equidade nem de respeito, logo é um movimento completamente à parte. Então vamos concordar que o feminismo não é um exagero. Não existe feminista radical, existe femista. Feminista não acredita em superioridade de gênero, então não existe feminista que acha que mulher é superior a homem, ok?
O feminismo é uma vertente do respeito, não deve ser um assunto tabu. Feminismo é união de pessoas para uma convivência mais justa e pacífica. E eu não acredito que haja motivos para alguém ser contra isso.