Escrevo assim, com esse epíteto que pode soar esquisito, porque o oposto já chegou até mim de várias fontes: Siri Hustvedt, uma das escritoras e ensaístas da atualidade que mais admiro, é invariavelmente apresentada como “a esposa do escritor estadunidense Paul Auster”.
Provocações à parte, e embora sempre o coloquem no balaio do “homem-branco-hetero-cis-que-produz-auto-ficção” (só que não, ele não produzia auto-ficção), perdemos um dos gigantes da nossa geração, que possuía um domínio imenso sobre a linguagem e narrativas complexas.
Lembro até hoje dos momentos de grande estupefação durante a leitura de 4321, um de seus últimos romances, uma narrativa intrincada que se desdobra em quatro destinos possíveis – e totalmente verossímeis – de um mesmo protagonista.
Se muitos cantores foram acometidos pela maldição dos 27, nossos escritores tiveram mais sorte, se despedindo dessa aventura doida que é a vida na casa dos 70. Nos últimos dois anos perdemos Javier Marías e Louise Glück, da mesma faixa etária.
Annie Ernaux, aos 83, tem escapado incólume. Quanto a Ferrante, não saberia dizer. Que Siri Hustvedt tenha pela frente uma década frutífera.