Jornalista e doutoranda em Informação e Comunicação em Plataformas Digitais pela Universidade do Porto (PT). Autora do livro Flores nos Canteiros (A União, 2018). Interesse em temas sobre feminismo, viagens, comunicação e redes sociais. flavia.lopes.sn[a]gmail.com
Jornalista e doutoranda em Informação e Comunicação em Plataformas Digitais pela Universidade do Porto (PT). Autora do livro Flores nos Canteiros (A União, 2018). Interesse em temas sobre feminismo, viagens, comunicação e redes sociais. flavia.lopes.sn[a]gmail.com
Na saúde e na doença? Para os homens, talvez não
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(Foto: Flávia Lopes)

Certo dia eu estava chorando muito na cama. Eu estava um caco. Mil vozes na minha cabeça e uma ansiedade gritando no meu estômago. Nesse dia, chorando na cama eu disse claramente com todas as letras “eu preciso de ajuda” para o meu companheiro da época. Ele me abraçou frouxo e disse “calma, você é uma mulher forte, você vai conseguir superar isso sozinha”. Tudo que eu escutei foi a palavra “sozinha”. Ecoou por um bom tempo. Ecoa até hoje no vazio da falta daquele acolhimento. 

Depois dessa, enxuguei as lágrimas, me recompus e me perguntei “porque eu estou chorando nesses ombros?” 

Uma semana depois ele terminou comigo. 

Entrei, mais uma vez, para as estatísticas de mulheres abandonadas quando mais precisam. 

Um estudo americano de 2009, conduzido pelo investigador Glantz e outros pesquisadores da Universidade de Stanford e do Centro de Pesquisa Seattle Cancer Care Alliance, revelou que homens casados têm seis vezes mais chances de se separar ou se divorciar de suas esposas após o diagnóstico de câncer ou esclerose múltipla, em comparação com mulheres casadas na mesma situação (Glantz et al., 2009). Veja aqui o link da pesquisa, In sickness and in health? For men, maybe not | Fred Hutchinson Cancer Center, intitulada “Na saúde e na doença? Para os homens, talvez não.” (tradução livre). 

Quem não se lembra do caso da Preta Gil que estava fazendo tratamento de câncer e sofreu uma traição com um divórcio? 

A minha saúde está bem, obrigada. Mas não precisa ser um câncer para ser abandonada. Uma curta fase de maré baixa e algumas crises de ansiedade podem ser suficientes. No meu caso, dois meses. 

Em contrapartida, do outro lado a lealdade é firme. Enquanto os homens abandonam por muito pouco, as mulheres permanecem nas piores situações, para o bem ou para o mal. Incontáveis vezes estive do lado de companheiros com depressão, que durou bastante tempo. Suportei parceiros em desemprego e em completa situação de vulnerabilidade. Em um desses relacionamentos, bem tóxico diga-se de passagem, só deixei quando estava empregado e com casa.

Ninguém é obrigado a carregar ninguém nas costas, veja bem… mas existe um padrão recorrente de homens que deixam suas companheiras quando elas estão na pior. Antes de pensar que isso é um problema individual de cada relacionamento, cabe uma reflexão de amplitude social: se isso é um padrão de comportamento masculino, que tipo de homens estamos criando na nossa sociedade? 

O tema da masculinidade está em alta. A nova série da Netflix, Adolescência, faz um retrato disso. Sem spoiler, o enredo conta a história de um jovem acusado de matar uma garota, e o desenrolar passa por reflexões sobre como os pais (homens) lidam com seus filhos, o cálculo do momento exato de se aproximar num momento de fragilidade feminina, o movimento crescente dos “incel” ou “red pill” nas redes sociais, influenciadores que “ensinam” e “doutrinam” jovens a tratarem mulheres como objetos, etc…

De acordo com Harrington, no artigo “What is ‘Toxic Masculinity’ and Why Does it Matter?” (https://doi.org/10.1177/1097184X20943254),  a masculinidade tóxica é um conceito que emergiu no final do século 20 e ganhou popularidade no início do século 21, especialmente em contextos terapêuticos e de políticas sociais. O termo é frequentemente associado a comportamentos masculinos que perpetuam a misoginia, a homofobia e a violência, sendo um reflexo de normas culturais masculinas prejudiciais tanto para os homens quanto para a sociedade em geral.

Nesse contexto, o abandono masculino surge como uma consequência dessa masculinidade tóxica. É uma forma de fuga, relacionado ao isolamento emocional e social que muitos homens experimentam em seu cotidiano. Afinal, homens não choram. E quem não chora não encara a realidade. Quem não encara a realidade foge. E quem foge…são os homens. Fogem dos outros, das companheiras, mas principalmente deles mesmos. 

Diante desse quadro, só me resta um apelo enquanto mulher: homens cuidem de si. Pais, não perpetuem padrões normativos de gêneros em seus filhos. Esses padrões só mudarão quando houver uma verdadeira revolução de consciência geracional. 

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